Artigo produzido por Damien Hazard e publicado no jornal A Tarde, no dia 3 de Dezembro de 2014:
O dia 3 de dezembro foi instituído como Dia Internacional das Pessoas com Deficiência em outubro de 1992, em assembleia geral da ONU. Encerrava-se a “Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência”. A Década tinha começado no auge do modelo médico da deficiência, que buscava desenvolver soluções focadas na deficiência da pessoa e priorizava políticas e serviços de saúde, reabilitação, educação e assistência social, em regime de segregação institucional. Mas o período acabou provocando o surgimento pelo mundo de novos atores e principalmente dos movimentos de pessoas com deficiência. No Brasil, as primeiras organizações, separadas por tipo de deficiência, também apareceram nos anos 80 em diversas cidades do país, a exemplo, em Salvador, da Associação Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), do Centro de Surdos da Bahia (Cesba) e da Associação Baiana de Cegos (ABC).
Com o movimento em eclosão pelo mundo, as vozes dessas pessoas passaram a ser ouvidas e a desenhar outros conceitos: vida independente, autonomia, eliminação de barreiras, modelo social da deficiência... O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência apareceu como expressão desses novos valores, com o objetivo de “construir uma sociedade para todos para o ano 2010.”
O “3 de dezembro” foi comemorado pela primeira vez em Salvador em 1997. A associação Vida Brasil foi precursora na introdução da temática da acessibilidade na capital baiana ao apresentá-la como uma questão de direitos humanos, em um seminário organizado em parceria com o extinto Comdef (Conselho Municipal de Deficientes). O evento reuniu as principais lideranças de organizações da área da deficiência a quem deu vozes para debater sobre as barreiras existentes e caminhos para vencê-las. Reiterado nos anos seguintes, enriquecido pela realização de pesquisas pioneiras sobre a acessibilidade e pelo intercâmbio com experiências de outras cidades e países, o Seminário de Acessibilidade e Cidadania de Salvador tornou-se um marco na capital baiana, palco da expressão cidadã e democrática das pessoas com deficiência acerca das políticas urbanas e de desenvolvimento.
Nesse ano de 2014, o “3 de dezembro” será marcado pela realização de uma sessão especial que irá comemorar os 18 anos da Vida Brasil. O evento, que irá ocorrer na Câmara Municipal de Salvador, às 19h, é promovido pelo vereador Sílvio Humberto e constitui-se como um reconhecimento pela atuação da ONG na promoção dos direitos humanos e da diversidade humana, e em alusão a presente data, pela sua contribuição na disseminação de uma cultura de acessibilidade na cidade de Salvador, na Bahia, no Brasil e no mundo.
A Vida Brasil reuniu, qualificou e assessorou o movimento das organizações de pessoas com deficiência em Salvador e na Bahia durante mais de 15 anos. Da articulação entre as entidades, nasceu em 1999 a COCAS – Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador, uma rede de organizações que desenvolveu um papel fundamental de intervenção unificada na cidade, até o final da década passada. A Vida Brasil também coordena o projeto e o bloco carnavalesco Buscapé: foram reunidas organizações voltadas para crianças e adolescentes e para pessoas com deficiência, em um projeto de educação artística e de cidadania, como exemplo inédito de uma identidade cultural baseada na valorização da diversidade humana. Desenvolve ainda projetos e ações de economia solidária, apoiando grupos comunitários, principalmente formados por mulheres negras, na estruturação de empreendimentos coletivos e autogestionados de geração de renda.
Ao longo dos seus 18 anos, a Vida Brasil destacou-se pela sua capacidade de articulação com outros movimentos, apontando caminhos para construção de uma sociedade inclusiva e democrática. Nos últimos anos, a experiência sistematizada da organização baiana tem sido levada para outros países, principalmente da África e da América Latina. Aqui e lá, o dia 3 de dezembro é uma oportunidade para ecoar a necessidade de um outro mundo possível, que em muitos aspectos já começou.
Damien Hazard
Coordenador da Associação Vida Brasil e diretor executivo da Abong- Associação Brasileira de ONGs