quarta-feira, 22 de abril de 2015

Olhares sobre o FSM: o olhar do Coletivo Baiano/FSM

Desde setembro de 2014, uma mobilização iniciada pela Vida Brasil e CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras), reuniu diversas organizações do movimento social em torno do projeto para participação no Fórum Social Mundial (FSM) 2015, dando continuidade ao projeto realizado em 2013. A partir de reuniões semanais, na sede da Vida Brasil, foi possível construir as propostas para o projeto, o que resultou na formação do Coletivo Baiano/FSM, composto por mais de 30 entidades. As reuniões sempre foram abertas e divulgadas na página do Coletivo e das organizações integrantes.

Reunião do Coletivo Baiano, em fevereiro de 2015


A partir dessa mobilização, o Coletivo realizou algumas atividades pré-FSM, como o Seminário Internacional “FSM rumo a Túnis” e a oficina preparatória “Água é vida”. Com o apoio do projeto nacional e estadual, foi possível compor uma delegação que reuniu aproximadamente 40 pessoas, representando diversos segmentos do movimento social da Bahia. Para Gilberto Leal, coordenador da CONEN, foi “bastante satisfatório poder construir um trabalho político em conjunto”. Já Damien Hazard, coordenador da Vida Brasil, destacou que a mobilização do Coletivo foi “um exemplo de Economia Solidária e uma lição de horizontalidade no processo de construção coletiva, transparente e democrática”.

Em Túnis, na Tunísia, local onde se realizou o Fórum Social Mundial, o Coletivo e as entidades baianas participantes promoveram diversas atividades e participaram de variadas mesas e assembléias. Além disso, o grupo Aspiral do Reggae, integrante do Coletivo Baiano/FSM, coloriu as ruas de Túnis, apresentando o reggae baiano. Kamaphew Tawa (compositor e cantor do Aspiral do Reggae) e o grupo de rap Nova Saga fizeram um show marcante, que encantou o público tunisiano. Para Jussara Santana, produtora da banda e representante da Associação Cultural Aspiral do Reggae, o FSM também serviu para promover esse intercâmbio cultural que “fez o público de todo o mundo vibrar com essas músicas tão revolucionárias.” Jussara ainda destacou uma citação de Kamaphew Tawa: “Fora Babilônia, eu tenho filosofia”! 

Kamaphew Tawa (centro) e grupo Aspiral do Reggae interagindo com o público tunisiano, após apresentação musical


E para apresentar um pouco dos diferentes olhares do Coletivo Baiano/FSM sobre o Fórum Social Mundial, compartilhamos a avaliação de alguns integrantes:

Cristiano Lima (Grupo Afoxé Bamboxê, filiado à CONEN)

Cristiano Lima (camisa vermelha, ao fundo): "Volto do FSM com a mala cheia de esperança na luta social"

O FSM é um espaço, sem sobra de dúvidas, de articulação do movimento social. Senti falta de grandes nomes da esquerda internacional, da Venezuela, de Cuba, aliás nem vimos cubanos nesse Fórum. Acredito que a esquerda mundial precisa avaliar o peso menor que está dando ao FSM, não podemos deixar que o Fórum se torne um espaço  de articulação  das ONGs. É preciso que as organizações de esquerda, como partidos e governos, voltem a participar com peso.

Duas coisas me chamaram  muito a atenção: a luta da juventude negra norte-americana contra as ações da polícia em matá-la. Não  imaginava que em um país que teve Panteras Negras e Malcolm X, os racistas não ousariam fazer isso, mas a realidade é que essa juventude ainda luta como a nossa, pela vida. A outra coisa foi a luta do povo Saharaui, principalmente das mulheres que lutam por liberdade e contra o domínio de Marrocos. 

As atividades que mais me chamaram atenção, sem dúvidas, foi a da juventude negra norte-americana - "mãos ao alto, não quero morrer!".

A sensação é de como sou pequeno,  apesar do FSM na Tunísia não ter sido o maior, estar fora do seu país é  algo muito bom,  inexplicável.  Queria ainda reafirmar que acredito no FSM como a grande articulação  da esquerda mundial e movimentos sociais contra o capitalismo e a favor de um mundo mais igual. 

Jussara Santana (Associação Cultural Aspiral do Reggae)
Jussara Santana (centro): "Podemos ir muito mais além"

Acreditamos que podemos pensar em um mundo melhor, depende de cada um de nós, pois foi possível ver o mundo emanado pra buscar soluções. A contribuição é de que nós somos responsáveis para fazer um mundo melhor.

As atividades que ocorreram no Fórum, que eu destaco, foram sobre Pan-africanismo, atividades das mulheres e a cultural, porque vivo e milito nessas áreas,

Esse é o quarto Fórum que participo e sempre o que mais me chama atenção é o povo do mundo inteiro num só pensamento e passando experiência para buscar um mundo melhor.


Marcia Cristina Pinheiro (Comunidade Tradicional e Pescadora)
Márcia (centro): "O importante é estarmos ligados no mesmo pensamento e espírito de mudanças e justiças"

O FSM me propiciou novos conhecimentos a respeito de outros povos e situações, a diversidade cultural em um evento e o pensamento de mudança global pelo mundo melhor e mais justo. Além da solidariedade entre o grupo do Coletivo Baiano. Entretanto, houve uma desorganização, principalmente na estrutura do campus da universidade onde acontecia as oficinas e outras atividades, falta de um planejamento ajustável para um evento de tamanho porte. Os voluntários tinham boa vontade de ajudar, mas não possuíam os conhecimentos necessários para solucionar as necessidades dos participantes do FSM.

Mesmo sendo o Fórum em um país cheio de conflitos e riscos, como a Tunísia, a paz e harmonia foi sentido como uma atmosfera diferencial para os que participaram do Fórum. As diversidades dos grupos, cada um com suas crenças, seus costumes, cultura, respeitando e convivendo, sabendo que há espaço e voz para todos.

Uma atividade que destaco foi a oficina "Água é Vida", do Coletivo Baiano. Houve a participação de pessoas da Indonésia, Argélia e Tunísia agregando conhecimentos sobre o tema e fornecendo informações de como funciona o gerenciamento e distribuição dos recurso hídricos em seus países. Destaco, também, a oficina de Acessibilidade, porque tive oportunidade de saber mais sobre as limitações, desejos e necessidades das pessoas especiais, o qual o assunto vem me despertando atenção para aprender e contribuir. 

João Pereira (CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores)
João Pereira: "Foi uma experiência muito importante, porque permite a troca de informações e a criação de laços de solidariedade internacional"

O Fórum contribuiu para o fortalecimento do Movimento Social na região do Magreb, diante do poder político institucional conservador. No entanto, pouco avançamos a cerca dos principais problemas mundiais com os quais os movimentos sociais atuam.
Destaco as trocas de experiências em relação à luta por políticas públicas por habitação de interesse social. Ainda que não exista exemplo governamental de países com política habitacional nesta área existem políticas pontuais na África e na América Latina que podem colaborar com as discussões e estratégias de nossa entidade.

Já a participação do Coletivo/FSM foi atuante e solidária. Participou das atividades de suas organizações e colaborou com as atividades de companheiros de outros segmentos e entidades. Como foi o meu caso que contei com companheiros do Coletivo Baiano na oficina promovida pela Conam. Além de intensa participação nas atividades da Casa Brasil.

E a atividade que mais me agradou foi a Assembléia Mundial dos Habitantes que reuniu os militantes das Associações de Moradia de 4 continentes, saindo com uma agenda comum para a atuação deste segmento no ano de 2015.

Eduardo Zanatta (Centro Público de Economia Solidária)
Eduardo Zanatta: "Temos a missão de multiplicar o que aprendemos"

Um evento desses sempre é positivo, mas também acaba por apresentar seus problemas. Reunir tantas pessoas, de tantos países, com tantas ideias e conhecimento a transmitir é uma coisa fantástica. A cultura local também é um fator importante, apesar do momento político que vive o mundo árabe. O Fórum Social Mundial tem um legado e ainda tem uma missão a cumprir. Agora, como falei, o momento político e de insegurança deu uma esvaziada no evento. É compreensível que algumas pessoas tivessem receio em ir para um país tão próximo de áreas de conflito e ainda mais depois do atentando do Museu do Bardo. Agora, na programação brasileira houve alguns cancelamentos, notadamente de ministros de estado que demonstrou um certo desinteresse do Governo. Sobre a logística geral, a própria organização reconheceu falhas, notadamente na tradução e na segurança, conforme foi notificado pela própria organização.

O FSM é a culminância de todo o trabalho que as organizações e movimentos sociais desenvolvem ao longo do tempo. Este resumo é resultado de esforço contínuo e é apresentado para que se façam reflexões e mesmo para que adotemos modelos eficazes de solução para problemas ou mesmo melhoria de métodos utilizados em nosso cotidiano. Então, a reflexão sobre toda aquela informação que nos foi disponibilizada servirá para mudar ou melhorar minha compreensão do mundo e aplicar na minha atividade laboral de forma consciente. Também pretendo disseminar estas ideias e informações para suscitar o debate e sensibilizar meus pares para os temas relevantes do FSM.

Existem várias ansiedades no ar. No mundo árabe, na crise do capitalismo, no crescimento da direita... Veja, você anda na cidade de Tunis e vários prédios públicos e embaixadas estão cercados de blindados e arame. Isto denota uma preocupação real. Mas também tem a crise do capitalismo que enfraquece as organizações sociais. Um exemplo é que as organizações no Brasil estão sofrendo com a falta de repasse de recursos públicos para a manutenção de seus projetos. E tem também a crise política das esquerdas, notadamente na América Latina, que sofre com o fantasma da direita. Os ânimos estão um tanto estressados com o momento e o FSM foi um termômetro disso.  

Além dos temas de economia solidária, participei de outras relacionadas às mudanças climáticas que muito me interessaram, pois tenho formação como gestor ambiental. Também gostei da reunião de avaliação em que estavam o Eduardo Suplicy, Olívio Dutra e Ivana Bentes. A nossa oficina "Água é Vida!" cumpriu bem sua missão, apesar que a maioria das pessoas eram do nosso coletivo, tivemos algumas presenças interessantes. A Casa Brasil foi um espaço de aglutinação de pessoas, notadamente de brasileiros, e considero que os debates ali realizados foram dos mais importantes do FSM.

Considero que o Coletivo Baiano tem a missão e compromisso de continuar trabalhando para o FSM. Temos que avaliar coletivamente o evento e seus resultados e começar a trabalhar para as próximas edições. Temos que discutir o evento nas nossas organizações e movimentos sociais, discutir no âmbito do coletivo baiano e levar nossa questões para as instâncias estaduais e nacionais, tais como o coletivo brasileiro ou outras instituições envolvidas neste processo. O FSM não é só um momento de reflexão, mas um processo de desenvolvimento coletivo. Temos que nos preparar mais e melhor para as próximas edições.  

Alex Hercog (Vida Brasil)
Alex Hercog (esq.): "Carrego a certeza de que, assim como eu, muitas outras pessoas, do mundo inteiro, também estão dispostas a se dedicar a essa construção de um mundo mais justo, que é utópica, infinita, mas que dá sentido às nossas vidas"


Infelizmente o Fórum apresentou muitos problemas de organização, sobretudo à precária sinalização das salas, falhas na confirmação das atividades, e ausência de intérpretes durante as mesas. O predomínio dos idiomas árabe, inglês e francês também foi uma barreira para se informar sobre as atividades que estavam acontecendo, pois nem mesmo os organizadores dispunham de informantes que falassem ao menos espanhol. E, visto que o Brasil compunha a terceira maior delegação, além do histórico indiscutível na realização de outras edições do FSM, a língua portuguesa deveria ter tido uma atenção maior, seja nos materiais produzidos pela organização, seja nos informes e orientações.

No entanto, a desorganização não impediu que o Fórum se configurasse como um espaço único de intercâmbio de conhecimento, opiniões e lutas, além de viabilizar articulações pessoais e institucionais com organizações e pessoas de diversas partes do mundo.

Sobre o FSM, destaco a pluralidade e diversidade de segmentos e pessoas. As diferentes bandeiras, manifestações culturais e modos de enxergar problemáticas que são comuns em países distintos, mas cuja avaliação e busca por soluções seguem percursos variados. Por exemplo, o combate ao racismo nos Estados Unidos e Tunísia, ou a luta por políticas inclusivas e de acessibilidade em Angola e no Brasil. Questões que são similares entre os países, mas que seguem trajetórias de lutas diferenciadas.

A mobilização em torno do FSM feita pelo Coletivo Baiano foi um belo exemplo para todo o país. Fomos o único estado a batalhar um projeto local, o que resultou na composição da segunda maior delegação, dentro da brasileira. Assim, pode-se dizer que a Bahia invadiu a Tunísia, no melhor sentido da palavra. O resultado pode ser visto na diversidade da delegação baiana, que contemplou diversos segmentos, até na ativa participação durante o FSM, com a realização de diversas atividades e com variadas falas que trouxeram questões que são pauta do movimento social baiano.

Janice Vieira (Rede de Alimentação de Economia Solidária da Bahia)
Janice Vieira (esq.): "Precisamos nos emponderar mais"

A partir da experiência no Fórum, destaco a resistência dos militantes, em todo o mundo, em prol de uma vida melhor. Ainda que a gente tenha que conviver com o descaso dos governantes para apoiar a luta dos movimentos sociais em outros países.

Me chamou a atenção, a fragilidade de outros países em pensar um coletivo maior e pensar em ter um movimento, ao contrário do nosso país.

A sensação é de perceber que os nossos problemas não são isolados, só muda o idioma. Precisamos ir mais para o enfrentamento em prol de uma vida melhor.

Flora Lassance Brioschi (FETIM – Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado da Bahia / CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)
Flora Brioschi (esq.): "Até hoje estou 'impactada', motivada e alimentada pela esperança de que um outro mundo é possível"

Minha avaliação é no sentido de reforçar a cada dia a nossa participação ativamente em atividades como o FSM, somos a esquerda, a maioria, precisamos estar cada vez mais mobilizados e buscando dar vazão aos debates que ocorrem em nosso país e no mundo inteiro. O Fórum Social Mundial é a maior articulação da luta a nível global nas últimas décadas, precisamos superar as nossas limitações e aprimorarmos nossas qualidades e buscar convergir sempre. A ofensiva conservadora está na ordem do dia e o FSM é uma valorosa trincheira da luta de ideias e renovação das esperanças. 

O FSM tornou-se um evento de grande magnitude e imprescindível para as forças populares de todo o mundo. Nos reunimos nesse processo conjunto de refletir e de como incidir na construção de agendas comuns de enfrentamento. Não foi à toa que as suas duas últimas edições foram realizadas na Tunísia, acredito que por esse motivo aconteceu no país que é exemplo de resistência e está em curso uma luta por democracia e liberdades desde 2010.

O FSM 2015 aconteceu pela segunda vez em um país que atravessou um processo avançado de democratização. De contribuição, trago um legado positivo e resistente de que o povo precisa estar nas ruas, as ruas são nossa morada é preciso ocupá-las. Tive a oportunidade de dialogar com povos que não perdem por um segundo a capacidade de se indignar com as mazelas que os afetam, é preciso sermos incansáveis e pautar tudo o que esta incorreto. É preciso sairmos da zona de conforto urgente. Não importa em que parte do mundo estejamos, não importa a categoria, o movimento ou instituição, os problemas são sempre os mesmos. É necessária a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, deve haver sempre a garantia e conquista de direitos, é preciso haver oportunidade e liberdade para todos. Não podemos mais continuar sendo escravos de um sistema que depende da desigualdade e domínio de poucos sobre muitos.

Das atividades que participei, destaco:

Visita à UGTT - uma central sindical, no momento em que estava acontecendo uma ocupação que já durava nove dias, onde estavam concentrados 23 homens e mulheres tunisianos e tunisinas, em uma greve de fome, todos com diplomas de graduação e alguns até de mestrado e doutorado, mas sem empregos;

Marcha de abertura - Marcada por superlativos, pluralidades, eu imaginava a grandiosidade, mas confesso, fiquei impressionada com a diversidade de pautas/causas que compreendiam desde a liberdade da Palestina, direitos dos povos, mulheres, jovens e muitos outros até a consolidação da democracia na Tunísia.

Assembleia das Mulheres: Centenas de ativistas de articulações feministas internacionais e de entidades locais de mulheres sul-africanas, brasileiras, peruanas, argentinas, argelinas, italianas, portuguesas e saharauis. Representantes da Tunísia, França, Moçambique, Costa do Marfim, México, Marrocos e Palestina discursaram na Assembleia e defenderam a superação do capitalismo e do patriarcado, além da ampliação da solidariedade internacional entre os povos contra o imperialismo.

"A Resistência Pacífica de Mulheres Saharauis":
Atividade organizada por Mulheres saharauis na delegação do Fórum Social Mundial, em colaboração com a Marcha Mundial das Mulheres, as palestrantes foram Mulheres da União Nacional das Mulheres Saharauis (UNMS) compartilhando e pedindo solidariedade na sua luta pela autodeterminação, intervenções que enfatizem especialmente na resistência pacífica nas cidades saharauis ocupados por Marrocos, onde são expostas a graves violações dos direitos humanos e são vítimas de violência.

Assembleia dos Movimemtos Sociais:
Soberana desde a primeira edição, a Assembleia dos Movimentos Sociais elabora sua própria declaração. Foram vários pontos de discussão, mas os centrais expressaram a continuidade da luta contra as transnacionais e o sistema financeiro, convocando uma jornada de ação internacional contra os tratados de livre comercio.

As reuniões de avaliação do Coletivo Baiano/FSM continuam. A primeira ocorreu no dia 14/04 e a próxima está agendada para o dia 24/04, às 16:30h, na sede da Vida Brasil. O projeto de participação no FSM também prevê a realização de um Seminário de Devolutiva, para repassar à sociedade a experiência e o aprendizado decorrente do Fórum. Além disso, o Coletivo pretende manter a mobilização em torno das pautas do Fórum e das demandas locais, fortalecendo o movimento social baiano e atuando em questões prioritárias para a sociedade.

Acompanhem as atividades do Coletivo Baiano/FSM, curtindo nossa fan page.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Olhares sobre o FSM: o olhar da Vida Brasil

Envolvida desde a origem do Fórum Social Mundial, em 2001, em Porto Alegre, a Vida Brasil sempre participou dos encontros que reuniam o movimento social de todo o mundo. Em 2013, a Vida Brasil coordenou junto com a CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras) o projeto baiano que garantiu a participação da delegação no FSM que, tal como em 2015, foi realizado em Túnis, na Tunísia.

Como o processo de construção do Fórum não se resume apenas aos encontros bianuais, a Vida Brasil vem participando continuamente das atividades relacionadas, como os Fóruns temáticos, além de seminários locais que seguem a agenda internacional. O envolvimento da Vida Brasil com o Fórum Social Mundial ocorre desde 2000, antes mesmo da primeira edição do evento, que foi realizado em Porto Alegre, em 2001. Em todas as outras edições, a Vida Brasil também participou ativamente na mobilização e articulação dos movimentos sociais no Brasil e no exterior.

Damien Hazard coordenando a mesa "Democracias"


Em 2004, a Vida Brasil fez a coordenação política do Fórum Social Baiano e em 2007 participou da coordenação executiva do Fórum Social Nordestino. O envolvimento com a organização e construção do FSM, fez com que a Vida Brasil fosse uma das pioneiras a pautar a acessibilidade do evento e o estímulo à inclusão de pessoas com deficiência dentro do Fórum. Resultado disso, foi que em 2015 o FSM contou pela primeira vez com uma Comissão de Inclusão, destinada a pensar as questões de acessibilidade durante o encontro.

Em 2015, a Vida Brasil participou mais uma vez do Fórum Social Mundial, desde a fase de mobilização, até a presença em Túnis. Representaram a Vida Brasil: Damien Hazard (coordenador), Islândia Costa (coordenadora do programa de Acessibilidade), Alex Hercog (assessor de Comunicação) e Alessandra Costa (administrativo). Além de associados e associadas: Ametista Nunes (Grupo Tortura Nunca Mais), Wilson Cruz (COCAS e Abadef) e Maria Helena (Apalba).

Ametista Nunes, recitando o poema "Estatuto do Homem" (Thiago de Mello), abrindo os trabalhos da Casa Brasil no Fórum Social Mundial.


Integrando o Coletivo Baiano/FSM, a Vida Brasil colaborou com a atividade “Água é Vida”, que durante o FSM discutiu o acesso aos recursos e bens naturais.

Já Damien Hazard, que também é membro do Conselho Internacional do Fórum, representando a Abong (Associação Brasileira de ONGs), era um dos coordenadores da Delegação Brasileira. Facilitou a mesa, na Casa Brasil, que debateu Democracias no mundo, além de participar da concepção das atividades que discutiam o enfrentamento ao racismo e Agenda Pós-2015. Damien também participou da coletiva de imprensa de lançamento do FSM, da organização da marcha de abertura e colaborou com a assembléia dos movimentos sociais.

E no último dia do Fórum, a Vida Brasil realizou a atividade Desafios dos movimentos para implementação de políticas inclusivas e de acessibilidade. A roda de diálogo contou com a presença de 25 pessoas, dentre as quais o angolano Memória Ekulica (FORDU), a professora tunisiana Naur Rebai, e pessoas com ou sem deficiência do Brasil e da Tunísia.

Oficina promovida pela Vida Brasil, que discutiu acessibilidade e políticas inclusivas


A atividade propiciou a troca de diversas experiências, a partir de relatos pessoais e institucionais sobre questões ligadas à acessibilidade e garantia de direitos, sobretudo no Brasil e na Tunísia. Uma das participantes, a tunisiana Hend Ajam, se interessou pela atividade, mesmo sem pertencer a nenhuma organização, nem ter atuação no movimento social. Ela, que é cadeirante e hoje cursa o doutorado, se formou em Ciências Contábeis e durante todo o período universitário teve que subir as escadas carregada, muitas vezes ajudada pelo pai (que também participou da oficina), pois a faculdade não dispunha de acessibilidade, nem de salas no térreo. Hend Ajam quis participar da atividade “para conhecer como se passa a vida de outras pessoas com deficiência fora da Tunísia”.

Para Islândia Costa, a participação e depoimento de Hend foi um dos destaques da atividade: “Sei que mudamos algo nela e em nós também”. De acordo com Islândia, são encontros como esse que contribuem para a construção de práticas transformadoras. Para ela, se a passagem da Vida Brasil em Túnis “fizer com que a jovem cadeirante faça reflexões sobre como melhorar a realidade de outras pessoas em condições iguais ou menos favoráveis que a dela” já seria uma grande vitória.

Wilson Cruz, Hend Ajam e Islândia Costa, durante atividade de Acessibilidade


Mas o encontro também foi marcado por contradições. Naur Rebai, que tem deficiência visual e pertence a uma organização tunisiana que trabalha com crianças cegas, se queixou da presença de pessoas ditas “normais” durante a atividade. Para ela, as problemáticas vividas pelas pessoas com deficiência só poderiam ser discutidas com a participação exclusiva de pessoas com deficiência. Essa discordância fez com que ela se retirasse da atividade antes de seu término.

Para Maria Helena, da Apalba (Associação de Pessoas com Albinismo na Bahia), foi justamente a amplitude da discussão que fez a atividade ser interessante. Maria Helena diz que não identificou nenhuma pessoa com albinismo durante o Fórum, o que fez dela a única albina presente. “Já pensou se eu só pudesse discutir albinismo com albinos? Eu iria conversar com as paredes.” – afirma, discordando que pessoas com deficiências só possam falar entre si. Para ela, “o que me fez ser visível durante a discussão foi justamente a presença de pessoas que estavam do meu lado, para apoiar a minha causa, mesmo não sendo albinas”.

Maria Helena (Apalba)


Maria Helena também lembrou que qualquer pessoa pode adquirir uma deficiência, ficando cega ou cadeirante, o que faz com que as discussões ligadas à acessibilidade e conquista de direitos sejam amplas. Segundo ela, “o que falta é o preparo para saber lidar com a diversidade. Se queremos uma sociedade inclusiva para todos, por que vamos excluir?”.

O sociólogo Memória Ekulica também trouxe suas experiências em Angola. Segundo ele, os movimentos sociais do país ainda encontram dificuldade para avançar na conquista de leis que garantam direitos às pessoas com deficiência. De acordo com Memória, apenas os segmentos mais mobilizados e fortalecidos é que conseguem obter algumas vitórias, enquanto os demais ficam à margem do processo.

O pai de Hend Ajam (esq.), Memória Ekulica e Naur Rebai (dir.)


Para Wilson Cruz, da COCAS (Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador) e da Abadef (Associação Baiana dos Deficientes Físicos), essa situação que ocorre em Angola lhe chamou a atenção. Ele destaca a necessidade de se realizar parcerias com os movimentos sociais angolanos, para trocar algumas experiências brasileiras que podem contribuir na luta por direitos ligados à acessibilidade. Como sugestão, Wilson propôs durante a atividade, que os diversos segmentos do movimento angolano de pessoas com deficiência se juntem e elaborem uma carta única para ser apresentada ao poder público, apontando os problemas e indicando soluções.

Além das atividades e composições de mesa, a Vida Brasil também participou como ouvinte de diversas atividades. Alex Hercog, assessor de comunicação, destacou alguns debates importantes que ocorreram durante os cinco dias do evento, como o Fórum Parlamentar Mundial, que trouxe parlamentares progressistas de países como Grécia, Espanha e Argentina, discutindo temáticas convergentes, como o papel das nações mundiais para reconhecer o Estado Palestino; além da mesa que discutiu a dívida pública como instrumento de colonização, sobretudo em países latino-americanos, africanos e em algumas nações européias mais fragilizadas pela crise capitalista recente.

Alex Hercog (Vida Brasil) em um stand de um grupo tunisiano de cinema independente


Alex também destacou a realização do Fórum Mundial de Mídia Livre, que reuniu contribuições internacionais na luta global e nacional pelo direito à comunicação. No entanto, segundo ele, a experiência no Fórum não se resumiu apenas às atividades e mesas de debate, “muitas vezes prejudicadas pela desorganização do evento”, por isso “caminhar pela universidade, de stand em stand, conversando com diversas pessoas, de diversos países e de diversos segmentos de luta, foi uma experiência única”. Para ele, o intercâmbio e a diversidade proporcionados pelo Fórum é uma das maiores virtudes do evento.

Já Alessandra Costa destacou as mesas que discutiam o racismo no Brasil e no mundo, como a realizada na Casa Brasil. Ela cita a fala do estadunidense James Early (Instituto Smithsoniam) que apontou a necessidade do movimento negro do mundo inteiro atuar em convergência. Para Alessandra, a participação no FSM foi enriquecedora – “Foi o meu primeiro Fórum internacional. Pude quebrar alguns paradigmas locais, indo para um encontro de maior abrangência”. Para ela, o Fórum Social Mundial foi provocador: “Voltei cheia de conflitos”.

"O FSM alimenta a chama de esperança por um novo mundo possível"



Para Damien Hazard, o FSM 2015 fortaleceu o papel da Vida Brasil como organização capaz de atuar na articulação com outras entidades internacionais. Para ele, o Fórum também é um espaço de formação que, apesar das dificuldades do encontro “todas as pessoas da Vida Brasil voltaram impactadas pelo Fórum, em sua formação política, cultural e humana”. Para Damien, o FSM “alimenta a chama de esperança por um novo mundo possível”.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Olhares sobre o FSM: a mobilização local (parte 01)

O Fórum Social Mundial (FSM) 2015 ocorreu entre os dias 24 e 28 de março em Túnis, capital da Tunísia. A Vida Brasil esteve presente no evento, realizando e participando das atividades, tal como em todo o processo de mobilização que antecedeu o Fórum. Na Bahia, a Vida Brasil colaborou com a construção do Coletivo Baiano/FSM, que reuniu diversas representações do movimento social baiano em torno do projeto de participação no FSM.

O Brasil em Túnis.


Desde o final do ano passado, foi retomada com mais intensidade a mobilização dos movimentos sociais da Bahia, com a realização de reuniões semanais na sede da Vida Brasil. Desse processo, surgiu o Coletivo Baiano/FSM. Junto com o Comitê Nacional, o Coletivo realizou em 22, 23 e 24 de janeiro, em Salvador, o Seminário Internacional preparatório para o FSM, que reuniu centenas de pessoas ligadas ao movimento social brasileiro, além de representantes tunisianos e marroquinos. E duas semanas antes do FSM, o Coletivo Baiano/FSM promoveu a roda de diálogo “Água é Vida”, que serviu como oficina preparatória para a atividade inscrita e realizada durante o Fórum.

Essa foi a trajetória da Vida Brasil e do Coletivo Baiano/FSM pré-FSM 2015, dando continuidade ao projeto do FSM 2013 e de toda a mobilização gerada desde a realização do primeiro Fórum Social Mundial, que ocorreu em Porto Alegre, em 2001.

Todo esse processo de construção coletiva resultou em bons frutos: a delegação brasileira foi a terceira maior do FSM, com mais de 200 pessoas, enquanto que a delegação baiana compôs cerca de um quinto desse total. A presença também se deu na realização de diversas atividades, participação em mesas internacionais, além do espaço denominado de “Casa Brasil”, que viabilizou a realização de diversas atividades autogestionadas, promovidas pelas entidades brasileiras. Importante destacar que o layout da Casa Brasil foi feito voluntariamente por Islândia Costa e Heron Cordeiro, arquitetos e coordenadores do programa de Acessibilidade da Vida Brasil.

Participantes acompanhando atividade promovida na Casa Brasil.


Essa ativa participação do Brasil na Tunísia também traduziu a expectativa que o movimento social brasileiro tinha em relação ao Fórum, de debater e apresentar propostas para construir um novo mundo possível.



E com o mesmo ânimo, o Brasil marcou presença na Marcha de Abertura do Fórum Social Mundial, que reuniu cerca de 20 mil pessoas, tendo como destino final o Museu do Bardo, que uma semana antes foi alvo de um atentado terrorista que vitimou 22 pessoas. A diversidade de representações do movimento social brasileiro se somou à diversidade de cores, bandeiras, idiomas, sorrisos e lutas presentes na Marcha de Abertura.

   



 Esse foi o processo de mobilização do Fórum Social Mundial e o espírito coletivo que desembarcou em Túnis. Nos próximos dias, apresentaremos uma série de reportagens que trará os diversos olhares participantes do Fórum realizado na Tunísia: do Comitê Organizador, da Delegação Brasileira, do Coletivo Baiano/FSM, da Vida Brasil, e dos demais participantes.