Bira Reis: um ser musical universal*
Fotografia de Bira Reis tocando Câmara Municipal, 18 anos da Vida Brasil |
Bira Reis sempre
surpreendeu! Os ensaios do seu bloco Kizumba, na frente da Oficina de
Investigação Musical (OIM), no Pelourinho, estavam bombando neste mês de
janeiro, na expectativa do Carnaval 2019. Desde sua criação em 1990, Kizumba
incarnou uma proposta instrumental diferente no Carnaval, com ar de resistência
cultural, potencializada mais ainda no novo contexto político. Bira, amante do
jazz, gosta de improviso e, de repente, colocou no sábado, 19 de janeiro, um
solo inesperado na música da vida. Como grande mestre, sem uma só nota ou
palavra, improvisou um fim com festa de despedida.
“Escute e entenda o
que diz o silêncio na música”, dizia Bira - uma ideia também cara ao Miles
Davis.
Percussionista,
saxofonista, educador, pesquisador e musicólogo, Bira era uma pessoa iluminada,
aglutinadora, carismática, atraente para as mais diversas pessoas e tribos.
Teve o reconhecimento dos mais humildes aos grandes nomes da música
internacional. Um ser universal, como tão bem o resume Joyce, sua esposa. A
OIM, criada nos anos 80 na Federação e transferida para o Pelourinho, sempre
foi ponto de encontro ou de partida para múltiplos músicos e percussionistas,
artesãos, atores, amantes e estudiosos da cultura popular brasileira.
Bira introduziu o
sopro no Bloco Afro Olodum, com quem realizou as primeiras turnês
internacionais nos anos 90. Também dirigiu suas próprias formações musicais,
tais como a banda de afro-jazz Ilú Batà e o bloco instrumental Kizumba. Foi um
dos fundadores do Bloco Buscapé, de crianças e adolescentes, que desfilou
durante 16 anos no Carnaval do Pelourinho.
Bira ainda era
reconhecido como herdeiro de Walter Smetak, o “descompositor contemporâneo”
suíço-baiano, tendo cuidado da conservação dos seus extraordinários
instrumentos. Como ele, era compositor de instrumentos: os Totens Sonoros.
Fotografia feita no carnaval Bloco Buscapé com Bira Reis e Damien Hazard |
Conheci Bira há 30
anos, em 1989, quando cheguei à Bahia. Trabalhamos arduamente juntos e com
outras pessoas, para desenvolver os projetos da OIM e enfrentar a reforma do
Pelourinho, nos anos 90, que resultou na expulsão da maioria da população. A
OIM conseguiu ficar, apoiada por uma campanha de solidariedade internacional, e
prosseguir desenvolvendo seus projetos de educação, fabricação de instrumentos
musicais e disseminação da cultura afro-brasileira.
Bira Reis falava do
Pelourinho para o mundo, com uma consciência profunda e peculiar do universo,
nada eurocêntrica ou acadêmica, mas impregnada da cultura popular e da
vanguarda da música instrumental e das outras artes. A sua obra, imensa,
permanece viva por onde ele passou. Dirá o Bloco Kizumba no Carnaval que se
aproxima. Talvez esta e outras novas músicas da vida sejam a resposta do seu
inesperado silêncio.
Damien Hazard
Coordenador da ONG
Vida Brasil e diretor estadual da Abong- Associação Brasileira de ONGs
* Artigo publicado pelo Jornal A Tarde, 21 de fevereiro de 2019