quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

16o Seminário de Acessibilidade e Cidadania é realizado em Salvador


3 de Dezembro: Dia Internacional das Pessoas com Deficiência! Data instituída pelas Nações Unidas e que desde 1997 é celebrada pela Vida Brasil com a realização do Seminário de Acessibilidade e Cidadania de Salvador. Em 2013, o evento chegou à sua décima sexta edição, promovida pela AFAGA (Associação dos Familiares e Amigos da Gente Autista), FCD (Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência), rede COCAS (Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador), além da Vida Brasil.

Mais do que comemorar o dia, o Seminário sempre serviu para debater e mobilizar a sociedade para a luta pela garantia dos direitos das pessoas com deficiência e tirá-los da invisibilidade historicamente imposta. Nesse ano, não foi diferente. Com o tema “Sociedade Inclusiva: Utopia ou Realidade?” o 16º Seminário fez um balanço da luta nas últimas décadas, discutiu os retrocessos e avanços, e questionou o que ainda falta para que a acessibilidade seja, de fato, uma realidade.

Luziano (GAPDICA)


Enquanto os quase 200 participantes, de 75 entidades, se acomodavam no auditório do Hotel Victoria Marina de Salvador, quem comandou a apresentação cultural foi Luziano, da GAPDICA. Em seguida, o mestre de cerimônia Antonio Pereira (Organização Perspectivas em Movimento) deu as boas-vindas, iniciando as atividades.

A mesa de abertura contou com a participação de: Almiro Sena (Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos - BA), Luciana Sarno (Cáritas NE3), Evangel Vale (COEDE), Islândia Costa (Vida Brasil), Lucyvanda Moura (CESE), Mariana Maciel (Afaga) e os vereadores Gilmar Santiago, Aladilce Souza e Fabíola Mansur. Todos saudaram o evento e destacaram a importância do Seminário para o movimento social das pessoas com deficiência.



Em seguida, foi a vez de Ninfa Cunha e Deo Carvalho apresentarem o espetáculo de dança “O Adeus”.

A primeira mesa de debates discutiu “Democracia Participativa” e contou com a presença de Damien Hazard (Vida Brasil/COCAS), Alexandre Baroni (SUDEF – Superintendência dos Direitos das Pessoas com Deficiência) e Evangel Vale (COEDE – Conselho Estadual do Direito da Pessoa com Deficiência). A facilitadora foi Islândia Costa (Vida Brasil).

Damien Hazard trouxe um histórico do movimento, que teve um marco principal nos anos 1980, com a criação da Associação de Pessoas com Deficiência, se ampliando na década de 1990. A luta das primeiras organizações se debruçou em três contextos onde a pessoa com deficiência mais sofria discriminação: transporte, educação e família.

Damien Hazard, coordenador da Vida Brasil


O coordenador da Vida Brasil ainda apresentou o resultado de uma recente pesquisa, desenvolvida pelo projeto FIRAH, que buscou avaliar a relação entre organizações da sociedade civil e o poder público no Brasil. De acordo com Damien, os resultados mostraram que a partir da última década se aumentou o diálogo com o Governo e que as organizações são mais ouvidas, destacando a realização de conferências e criação de conselhos.

No entanto, a pesquisa revelou que o diálogo não é sinônimo de intervenção nas políticas públicas. A qualidade dessa intervenção foi avaliada como baixa. As entidades de pessoas com deficiência ainda têm sua participação limitada à fase de planejamento das ações governamentais, mas na execução, acompanhamento e avaliação, ainda há pouco espaço e poder de intervenção.

Damien Hazard finalizou sua apresentação com um questionamento: “Será que os espaços institucionais bastam?”.

Alexandre Baroni (SUDEF)


Quem se apresentou na seqüência foi Alexandre Baroni, que dirige a SUDEF - Superintendência dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O superintendente apresentou a SUDEF e pontuou algumas realizações: o projeto de acessibilidade no Pelourinho, no Parque Metropolitano de Pituaçu e no prédio da Secretaria de Justiça. Também citou a participação do órgão no GT de Acessibilidade para a Copa e no GT de Mobilidade do Conselho das Cidades.

Baroni ainda destacou três projetos da SUDEF: “Um por todos e todos pelo outro”, que promove palestras, dinâmicas e oficinas para educar para a diversidade; “Diálogos sobre inclusão”; e a aprovação do “Passe Livre Intermunicipal”, a partir da lei 12.575/2012. Além disso, citou a aplicação de multas e notificações em espaços como hotéis, bancos e clínicas.

Evangel Vale (COEDE)


Já Evangel Vale, conselheiro do COEDE, foi enfático ao afirmar que não houve avanços no Estado, se tratando das políticas inclusivas. Segundo Evangel, não se pode chamar de “avanço” políticas que são de reparação e que visam atender o que já determina a Constituição. Para ele, é preciso ter uma renovação constante no movimento social e uma maior participação pública no interior do estado. Evangel ainda pontuou que o próprio governo discrimina a SUDEF.

O conselheiro também questionou a maturidade e o grau de representatividade das instituições ligadas à luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Para ele, as organizações não acompanharam o ritmo dos novos espaços de participação e que elas também precisam ser revistas, deixando de ser segmentadas e abrindo-se mais para a sociedade. Ainda de acordo com Evangel, é necessária uma renovação, “mexer na base, para ter novos atores na ponta”.

Após a apresentação dos palestrantes, o debate foi aberto para a plenária. Muitos trouxeram questionamentos sobre as políticas públicas do Estado da Bahia, que foi respondido por Alexandre Baroni, na condição de diretor da SUDEF.

Debate com a plenária


O superintendente justificou que apenas o Parque de Pituaçu está incluído no projeto de acessibilidade da SUDEF, pois a demanda parte de quem aciona a SUDEF que, no casso do parque, é de responsabilidade da Secretaria do Meio Ambiente, que fez a solicitação. Já em relação aos de acessibilidade no sistema ferry boat, ele explicou que existem, mas não foram executados pelo governo.

Ainda respondendo à plenária, Baroni explicou que a SUDEF apoia, mas não tem gestão sobre o Conselho Municipal. Também esclareceu que na SUDEF não há dificuldade para entender o autismo como deficiência, tanto que eles estão incluídos no projeto de Passe Livre Intermunicipal.

Debate com a plenária


Alguns participantes criticaram o desconhecimento da maioria dos vereadores de Salvador sobre a questão da acessibilidade, e também da Secretaria de Justiça no acompanhamento de pessoas com deficiência com problemas judiciais. Também foi dito que o setor de turismo no país precisa melhorar, pois é totalmente inacessível.

Outros, no entanto, afirmaram que houve avanço na legislação e que isso é mérito, sobretudo, da luta do movimento social. A importância do Seminário também foi destacada. Nas considerações finais, os palestrantes reconheceram que o contexto atual é melhor para as pessoas com deficiência, mas que ainda há muito a se conquistar para a garantia de direitos e inclusão.

À tarde, a mesa teve como tema “Educação Inclusiva”. Participaram: Teófilo Galvão Filho (professor e consultor em Tecnologia Assistiva, Educação Inclusiva e Políticas de Inclusão Social); Mariene Martins Maciel (AFAGA); Patrícia Braille (Coordenadora de Educação Especial da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia); e Teresa Cristina Sousa (Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico da Secretaria de Cultura/CENAP-Secult). O facilitador foi Edmundo Xavier e Rosana Lago.

Mariene Maciel, Patrícia Braille, Edmundo Xavier e Rosana Lago


Mariene Maciel trouxe diversas leis e documentos internacionais, como a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Ela destacou, no entanto, o PNE – Plano Nacional de Educação, desenvolvido pelo governo federal para os anos de 2011 a 2020, mas que ainda está em fase de discussão. A meta 4, segundo ela, é uma das mais polêmicas, pois estabelece os responsáveis pela educação inclusiva. Para Mariene, o poder público é quem tem que assumir essa demanda e capacitar os professores e profissionais para atuarem. Ela se posicionou contra a emenda do senador Álvaro Dias e à favor do texto original da Meta 4.

A coordenadora Patrícia Braille, que recentemente assumiu a coordenação de Educação Especial da Secult-BA, apresentou um pouco da sua trajetória. Ela descreveu suas experiências como consultora da ONU, em projetos ligados a pessoas com deficiência visual, em cidades com grandes e pequenas estruturas, destacando que foi no interior que viu o que é fazer acessibilidade. Patrícia reconheceu os avanços e afirmou que ainda conserva em si “o sonho de mudar o mundo”.

Teresa Cristina (SENAP) e o professor Teófilo Galvão


Já o professor Teófilo Galvão foi bastante claro em sua apresentação, concluindo que não basta só discutir a educação inclusiva, mas modificar o modelo atual de educação, repensar os paradigmas atuais que, segundo ele, foram construídos dentro de um contexto industrial do século XIX, baseado na uniformidade. Para o professor, é necessário desconstruir os paradigmas que prevêem uma educação focada na memorização e repetição, e que não prevê as diferenças.

De acordo com Teófilo, debater o modelo de educação é fundamental, para também se pensar aspectos ligados a uma escola inclusiva. Como aspectos fundamentais, ele destacou: arquitetura para uma escola acessível; formação de profissionais; flexibilização curricular; e tecnologia assistiva.

A coordenadora Teresa Cristina citou o programa “Educação Inclusiva: Direito à Diversidade” e destacou alguns projetos da CENAP-Secult. Ela apresentou dados sobre aquisição e distribuição de material específico para estudantes com deficiência sensorial, como máquinas Braille; formação continuada para professores; atendimento domiciliar; salas de recursos multifuncionais e realização de seminários e oficinas.

Debate com a plenária


No debate, a plenária destacou a falta de implementação de projetos governamentais nas cidades do interior da Bahia. Também se criticou a ausência de políticas para pessoas com albinismo; o atraso de salários dos intérpretes de sinais na rede estadual; a necessidade de também capacitar todo e qualquer cidadão para se comunicar com qualquer pessoa, independente da deficiência; e a necessidade de qualificação das pessoas com deficiência, para que possam assumir os cargos oferecidos pelo setor privado.

Na última mesa, o tema foi “Transporte Acessível”. Participaram: Yan Grenier (CIRRIS/Canadá); Heron Cordeiro (Vida Brasil); e Vanderlino Santos (ASPEDELF). A facilitadora foi Zenira Rebouças (FCD). Antes, porém, houve uma apresentação de Xico Poeta, recitando alguns de seus versos.

Heron Cordeiro (Vida Brasil)


Heron Cordeiro trouxe em sua apresentação a questão da “mobilidade sustentável”, chamando a atenção para a Lei Federal de Mobilidade Urbana (12.587/2012). Essa legislação traz as diretrizes da política nacional de mobilidade urbana que, segundo Heron, ainda está longe de ser seguido na prática. Ele destacou que essa política considera três dimensões para a mobilidade: sustentabilidade; acessibilidade; e circulação. Heron concluiu falando da importância de se considerar a mobilidade urbana como algo amplo, que não se limita apenas à circulação de automóveis na cidade, mas também de pessoas e garantia de que isso possa ser feito de forma acessível e sustentável.

Em seguida, se apresentou o canadense Yan Grenier, contando um pouco das questões ligadas à acessibilidade em Québec. Ele contou que desde 1978, com a criação de uma lei para nortear o poder público para garantir a inclusão de todo e qualquer cidadão na sociedade, houve muitos avanços no país.

Yan destacou a existência de um Comitê de formação mista, que se reúne periodicamente para acompanhar a execução das políticas públicas. Ele ressaltou que em Québec há poucas manifestações de rua, mas, em compensação, o diálogo entre o poder público e o movimento social das pessoas com deficiência é constante. De um lado, isso gera vantagens, mas também desvantagens, como a desarticulação do próprio movimento, cooptado e incorporado ao Estado.

Como exemplos de ações que funcionam em Québec, Yan citou o sistema de transporte acessível, que não apenas possui uma boa estrutura física, como também há um planejamento e organização que permite que as empresas de ônibus atendam as pessoas com deficiência em um horário agendado, os levando de suas casas ao destino exato que eles desejam.
Zenira Rebouças (FCD), Yan Grenier (CIRRIS), Damien Hazard (Vida Brasil) e Vanderlino Santos (ASPEDELF)

Concluindo as apresentações, Vanderlino Santos trouxe alguns problemas do sistema de transporte em Salvador e na Bahia. Para ele, o sistema atual não garante a inclusão e desrespeita a Constituição. Para Vander, também falta sensibilidade aos próprios passageiros, cobradores e motoristas para lidar com pessoas com deficiência. Ele criticou a estrutura da Estação da Lapa, em Salvador, a falta de manutenção nos ônibus e a inexistência de estrutura acessível em ônibus escolares entregues pelo governo e na frota de ônibus que fazem linhas intermunicipais.




O Seminário foi encerrado com os participantes destacando a importância do evento para o movimento e do reconhecimento de todos os que ajudaram em sua promoção, mesmo diante de tantas dificuldades, sem nenhum apoio público, contando com o voluntarismo das próprias pessoas e organizações envolvidas.

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