Vida Brasil na Guiné Bissau
Por: Damien Hazard
Na
semana de 8 a 13 de junho 2014, Damien Hazard, da coordenação da Vida Brasil,
esteve em Bissau, capital da Guiné Bissau, como representante da direção
executiva da Abong – Associação Brasileira de ONGs, para participar de encontros
com organizações da sociedade civil deste país africano.
Foto da fachada azul colonial da Casa dos Direitos em Guiné Bissau. |
O convite partiu da organização portuguesa ACEP e da Casa de Direitos, uma rede guineense de organizações da sociedade civil que estava comemorando o seu segundo aniversário. Damien foi palestrante num seminário realizado na sede da Casa de Direitos, no dia 10 de junho, quando apresentou as experiências de redes brasileiras e mais especialmente da Abong.
Fotografia aérea de parede sendo pintada com ilustraçoes de cenas do cotidiano da antiga presão para jovens. |
Situada
ao sul do Senegal, no litoral atlântico do Oeste africano, a Guiné Bissau é
parte da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), junto com o Brasil,
Portugal, Timor leste, e na África o Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, e
Cabo Verde. Possui uma população de cerca de 1,6 milhão de habitantes, sendo
cerca de um quarto na capital, Bissau. Em 2012, o país sofreu um golpe militar. No mês passado, eleições democráticas foram realizadas e os militares perderam
o poder nas urnas, devendo entregá-lo no mês de julho para um novo governo.
Essa mudança de regime cria grandes expectativas para toda população assim como
para todas as organizações da sociedade civil. Por causa do golpe, os
movimentos sociais enfrentam um relativo isolamento nos últimos anos.
O evento realizado na Casa dos
Direitos, intitulado “Da emergência das ONG as redes colaborativas,
experiências da Guine Bissau e do Brasil” teve como objetivo a troca de
experiências, a reflexão e aprendizagem conjuntas na perspectiva da articulação
dos movimentos e ONGs da Guiné Bissau e de maior incidência nas questões de
desenvolvimento, dos direitos humanos e da cidadania participativa.
Inicialmente, foram resgatadas as experiências de articulações da sociedade
civil na Guiné Bissau:
Fotografia da sala onde foi realizado o evento. Mesa de abertura composta por 3 pessoas, entre elas o representante da Vida Brasil, |
- a Solidami nos anos 80 após a independência do país;
- a Placon-GB (plataforma de ONGs de Guine Bissau) que foi criada em 2000 num contexto de pós-conflito, chegou a ser membro do FIP (Fórum Internacional de Plataformas Nacionais de ONGs, do qual a Abong faz parte) mas desapareceu nos últimos anos;
- a Rede de solidariedade, que surgiu de forma espontânea no início desta década e reuniu organizações nacionais e internacionais para tentar se posicionar frente ao novo regime no país.
O país também conta hoje com
redes temáticas, voltadas por exemplo para segurança alimentar ou para o
monitoramento da exploração de recursos naturais. Foi citado o caso da
exploração predatória e retirada de madeiras, por empresas notadamente
chinesas, com o apoio de membros do atual governo.
Apesar do contexto político
nacional delicado, a sociedade civil da Guiné Bissau demonstra riqueza e
dinamismo. Dentre as organizações, devem ser citadas a Liga Guineense de
Direitos Humanos, fundada há 22 anos, e que publicou recentemente uma pesquisa
intitulada “40 anos de impunidade”. Ou ainda a Ação Cidadã, movimento mais
recente, formado principalmente por jovens (apesar deles não quererem dar essa
conotação ao movimento): a Ação Cidadã pode ser enxergada como um desses novos
movimentos que surgiram nos últimos anos em diversos países e que buscam novas
formas de atuação e de organização, em prol de uma democracia mais direta e de
uma maior horizontalidade na representação. Assim como os estudantes do Chile,
os indignados da Espanha, Y´en a marre do Senegal, Occupy nos Estados Unidos e
no Canadá, ou ainda os movimentos revolucionários de juventude da África do
Norte.
Fotografia da sala do seminario, com explanaçao do representante da Vida Brasil, Damien Hazard. |
A
experiência brasileira suscitou um grande interesse. Damien apresentou a
diversidade da sociedade civil brasileira através de diversos olhares,
estatísticos, históricos e políticos, para chegar a uma reflexão sobre o papel
das organizações e suas estratégias de incidência política num contexto em
evolução caracterizado pelas disputas ideológicas, econômicas e políticas.
Descreveu o percurso histórico da Abong, desde sua criação em 1991 até os dias
atuais, com as mudanças contextuais, políticas e estruturais que a
caracterizaram.
No debate que seguiu,
organizações guineenses questionaram a política atual de cooperação brasileira,
e criticaram a atuação do Brasil, com a ação de grandes empresas brasileiras,
notadamente da construção civil, da mineração e do agronegócio, e seu efeito
nefasto sobre os direitos humanos das populações locais. Um caso emblemático é
o programa Prosavana, em Moçambique. Foi ressaltada a necessidade de maior
articulação entre os movimentos sociais guineenses, africanos e brasileiros.
Fotografia do lançamento com varias pessoas conversando e a parede pintada com ilustrações do cotidiano da prisão ao fundo. |
O
seminário foi encerrado com o lançamento de uma exposição de fotografias do
moçambicano Mauro Pinto, e de um livro sobre a história do espaço da Casa de
Direitos. A sede da Casa de Direitos é uma antiga prisão para crianças e
adolescentes em conflito com a lei. Nas paredes internas, jovens pintaram cenas
da história do lugar, para melhor valorizar a memória do lugar, mas também
expressar a resistência do povo guineense e das suas organizações
representativas. As belas e trágicas fotos do jovem e renomado fotógrafo Mauro
revelaram a solidão de outras crianças, lá de Moçambique, presas em uma prisão
e em um hospital psiquiátrico.
Fotografia do representante da Vida Brasil com os membros da Federaçao das Associaçoes de defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiencia FADPD GB |
Damien
aproveitou os dois dias seguintes para encontrar organizações, e mais
especificamente de pessoas com deficiência, depois de um convite no encontro na
Casa dos Direitos. No dia 11 de junho, reuniu-se com membros da FADPD/GB
(Federação das Associações de Defesa e Promoção dos Direitos das Pessoas com
Deficiência): a presidenta Filomena de Barros Said Sá, os representantes de
organizações de pessoas com deficiência física (Spencer Gomes), de cegos
(Augusto Simão) e de surdos (José Augusto Lopes). Algumas pessoas já conheciam
o trabalho da Vida Brasil. De forma geral, as organizações demonstraram
interesse em estreitar as relações com organizações brasileiras. Um primeiro
encontro virtual deve ser realizado.
Fotografia do representante da Vida Brasil com representantes da Associação de Surdos de Guiné Bissau |
No
dia 12, Damien visitou a AS-GB (Associação de Surdos de Guiné Bissau) e a
escola para surdos. Criada em 2000 e legalizada em 2005, a AS-GB visa a
inclusão social de pessoas com deficiência visual através da sua capacitação e
formação na área do ensino especial. A escola para crianças e adolescentes
surdos está inserida numa escola pública, mas apresenta condições precárias de
funcionamento. Em seguida, Damien visitou e impressionou-se com a nova sede da
escola e da associação. Concebida com requisitos de acessibilidade, a sede
estende-se numa área de cerca de 7.000 m². O projeto prevê a educação de
centenas de crianças e adolescentes. Assim como os representantes da Federação,
a AS-GB manifestou interesse pela aproximação com organizações brasileiras de
surdos. A AS-GB contribuiu diretamente para o surgimento de uma “língua gestual
guineense” que em muitos aspectos difere da Libras- Língua Brasileira de
Sinais. José Augusto Lopes explica que a língua gestual guineense foi concebida
levantando sinais usados por surdos das diversas regiões do país. Como muitas
palavras não tinham sinais correspondentes, crianças surdas foram reunidas e
definiram os sinais. É o caso do sinal atribuído à palavra Brasil. Em vez de
uma mão aberta descendo tremendo que representa a bandeira do Brasil, como na
Libras, o sinal atribuído ao Brasil é do polegar puxando de dentro para fora os
dois dentes da frente (incisivos do maxilar superior). Uma lembrança aos dentes de Ronaldinho Gaúcho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário