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Carta de organizações
da ABONG na Bahia
para o Governador do
Estado
As ONGs da ABONG
na Bahia vêm, por meio deste documento, apresentar alguns pontos que consideram
importantes para a interlocução entre a sociedade civil organizada e os dirigentes
do governo baiano. Essas considerações, que surgem no contexto das recentes e
importantes manifestações de rua em todo país, partem de uma concepção do
diálogo entre governo e sociedade civil no sentido da construção da democracia
a partir do desenvolvimento baseado na justiça social e na sustentabilidade
ambiental.
Consideramos, em primeiro lugar, que essas manifestações são legítimas, como
expressão do exercício da cidadania por parte do povo brasileiro e
principalmente da juventude – envolvendo também pessoas de diversos segmentos e
classes sociais – e contribuem para o aprofundamento da democracia no país e no
nosso estado. As pautas tratam de questões de fundamental importância para a sociedade:
os investimentos decorrentes dos megaeventos, a corrupção, as políticas de
transporte e de mobilidade urbana, de saúde, de educação...
Muitas pessoas relacionadas com os movimentos sociais e organizações não
governamentais estiveram envolvidas nessas manifestações. A nosso ver, os acontecimentos também traduzem o desconforto
da sociedade civil organizada em relação a três principais campos de questões sociopolíticas:
Ø A
democratização das relações Estado / sociedade
Ø As políticas
de desenvolvimento
Ø O
financiamento das políticas sociais
Democratização das
relações Estado / sociedade
Consideramos importante reafirmar os princípios que devem orientar cada vez
mais as relações do governo com a sociedade:
·
a
transparência na gestão dos recursos públicos,
·
a
garantia do acesso público à informação,
·
a
garantia do permanente diálogo através da constituição de espaços efetivos de
participação,
·
o
respeito às formas de organização da sociedade civil e à sua autonomia,
·
a
não-criminalização dos movimentos sociais.
Reconhecemos os avanços obtidos na
promoção da participação social com a criação de diversos novos instrumentos e
mecanismos de democracia participativa. Mas, consideramos necessário apontar
alguns limites no funcionamento desses:
o A maior parte dos espaços existentes
demonstra uma fraca incidência política. Se os temas e as questões tratadas nas
conferências são de grande relevância, grande parte das decisões não é
implementada. Nesse sentido, consideramos que a participação social só pode
continuar se passar a ter alguma efetividade no processo decisório.
o Os espaços de participação social privilegiam
as discussões sobre o planejamento das políticas públicas e muito menos sobre o
monitoramento e a avaliação destas. O próprio processo avaliativo desses
espaços é insuficiente.
o Consideramos que o CODES – Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social – não cumpre o papel que poderia ter na
arquitetura da participação no Estado da Bahia, e precisa ser redinamizado.
o
O
governo deve incentivar os municípios a garantir a criação de espaços e
instrumentos de participação social, a exemplo dos conselhos, assim como os meios efetivos para o
funcionamento desses, assegurando recursos para uma estrutura mínima e despesas
de funcionamento.
Os espaços de
participação social criados não são suficientes para assegurar o diálogo com o
governo estadual, que já enfrentou dificuldades nas relações com diversos
movimentos e segmentos sociais, a exemplo dos professores da rede estadual... A
criminalização dos movimentos sociais não desapareceu, como mostram os atos de repressão policial generalizada contra
manifestantes reunidos de forma pacífica em marchas, em Salvador, no mês de
junho. Esses fatos revelam que o problema da militarização das polícias permanece.
No que diz respeito às
contas públicas, permanecem insuficientes os mecanismos de participação na
discussão do orçamento, bem como de monitoramento e controle dos gastos
públicos pela sociedade civil, com a implantação de um sistema transparente de
informações e a realização de auditorias para os programas e projetos
desenvolvidos, incorporando-se assim a prática da avaliação das políticas
implementadas, com a garantia da participação da sociedade civil organizada.
Apoiamos uma ampla reforma política que não se reduza apenas à reforma
eleitoral, mas possa também fortalecer os espaços e as práticas de participação
social e a incidência política da sociedade civil.
Políticas de
Desenvolvimento
Partimos da compreensão de que os governos da Bahia das últimas
décadas têm pautado sua ação por um modelo de desenvolvimento voltado para o
mercado e o grande capital e que este fato tem gerado graves problemas para o
Estado: a degradação ambiental, o crescimento da violência, da insegurança e
das desigualdades sociais, o desemprego, a fome e o desamparo de milhões de
cidadãos e cidadãs na Bahia. Nesse contexto, a maior parte dos movimentos
sociais e das organizações aspira a um modelo de "desprivatização" do Estado e à
implantação de um novo projeto de sociedade, no qual o desenvolvimento
econômico é indissociável de um processo simultâneo de distribuição de renda,
garantia e ampliação dos direitos sociais e da cidadania e melhoria da
qualidade de vida da população.
Essas políticas de desenvolvimento devem ter como base os
seguintes princípios:
·
a
sustentabilidade ambiental,
·
a
universalidade no desenvolvimento das políticas sociais,
·
a
implementação de políticas afirmativas,
·
o
respeito aos direitos humanos,
·
a
intersetorialidade das políticas públicas (estratégia de articular os múltiplos olhares e saberes de setores e
atores diversos para o enfrentamento de problemas complexos),
·
a
transversalidade das políticas públicas (para questões comuns a todas as áreas, como questões raciais e de gênero por exemplo,
deve-se buscar estratégias que levem em conta a equidade e a justiça social),
·
a
valorização e o fortalecimento de experiências da sociedade civil, como
indicativos às políticas públicas.
·
a
descentralização político-administrativa, sobretudo a municipalização das
políticas sociais.
Questionamos: até que
ponto o governo contribui para implantação desse novo modelo de desenvolvimento?
Consideramos que a discussão com a sociedade civil sobre o
modelo de desenvolvimento é insuficiente. Os movimentos sociais quase
sistematicamente são afastados das discussões sobre as grandes obras das
políticas de desenvolvimento, a exemplo dos investimentos relacionados com os
megaeventos, em relação ao transporte e à mobilidade urbana, ou ainda das
políticas de planejamento urbano, implementadas (a exemplo de Salvador) sem
diálogo com a sociedade e em total desrespeito com o Estatuto da Cidade. Toda
discussão nesse sentido foi substituída por uma judicialização do processo de
planejamento urbano. Da mesma forma, os movimentos sociais estão afastados das
discussões sobre os megaprojetos, tais como a Ponte Salvador-Itaparica, o Porto
Sul, os projetos ligados à matriz energética, à mineração...
Financiamento das
políticas sociais
Entendemos
que a participação social no ciclo de construção das políticas públicas permite
fortalecer o controle social sobre o Estado, mas não pode ser separada da
dimensão de financiamento dessas políticas. Não foram suficientes os mecanismos
de democracia participativa e direta no ciclo orçamentário (Plano Plurianual -
PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária). Assim, a construção
de um PPA participativo deveria supor não só uma reflexão sobre as diretrizes
gerais do plano, mas também deveria incluir a dimensão das leis orçamentárias.
A participação da sociedade civil em fases do orçamento reveste-se de uma
importância fundamental: trata-se de poder acompanhar de forma permanente o
ciclo orçamentário. Esses instrumentos de controle social devem fazer parte das
leis de finanças públicas, com vistas a melhorar a transparência do orçamento
estadual.
Considerando que as ações desenvolvidas por parcela
significativa da sociedade civil organizada têm o caráter público, sugere-se
que o governo assuma um compromisso com esse setor no sentido de empreender
esforços para a democratização do acesso aos fundos públicos constitucionais e
à busca de novas fontes de financiamento para os mesmos. É preciso garantir
critérios transparentes de aplicação dos recursos, forma democrática de seleção
de iniciativas a serem apoiadas e estabelecimento de mecanismos de controle
social efetivo de tais recursos. Atualmente, o acesso a fundos públicos
enquadra-se numa lógica de instrumentalização das organizações e movimentos,
contratadas para realização de políticas governamentais, e em condições
extremamente restritivas: ausência de apoio institucional, restrições na
contratação de pessoal etc. Os editais para seleção de projetos da sociedade
civil são inacessíveis para muitas organizações e movimentos, sendo, portanto, necessário
democratizar o acesso a eles.
É necessário, sobretudo, adotar e implementar um novo marco
regulatório para as organizações da sociedade civil. Espera-se que o governo do
Estado da Bahia – conforme indicado durante audiência pública sobre “a
importância das ONGs para o desenvolvimento social, econômico e produtivo da
Bahia”, realizada na Assembléia Legislativa, no último dia 18 de abril – possa
apoiar a proposta do Grupo de Trabalho da Secretaria Geral da Presidência, e
defendê-la junto à Presidenta. Espera-se que o Estado da Bahia possa assumir a
vanguarda na identificação de experiências de apoio ao fortalecimento da
sociedade civil e na implementação de novos instrumentos legais de acesso a
fundos públicos, com base em critérios democráticos e transparentes.
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