terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O bloco Buscapé não desfilará no Carnaval 2014


Assim como no ano passado, novamente o Bloco Buscapé não desfilará no carnaval de Salvador. É a segunda vez, nos 17 anos de projeto, que as ruas do Pelourinho deixarão de contar com o desfile do Buscapé.

Já há alguns anos, o bloco vem encontrando dificuldades de ir para a rua, sobretudo em um carnaval cada vez mais privatizado, cujas prioridades são os grandes empreendimentos comerciais, os grandes blocos, artistas e camarotes. A burocracia dos editais não contempla o tipo de projeto desenvolvido pelo Buscapé e o diálogo com os órgãos públicos foi infrutífero. Nos últimos anos realizamos uma mobilização por recursos com amigos e parceiros que, voluntariamente contribuíram da forma que podiam. Esse ano, após discussão, decidimos rejeitar a opção de irmos novamente com o pires na mão bater na porta dos gestores públicos.

Na reunião realizada no dia 5 de fevereiro, com a presença das organizações da coordenação, de educadores mas também de jovens do projeto, decidimos buscar um novo tipo de ação. A proposta encaminhada foi de realizarmos um encontro pós-carnaval, para retomarmos a mobilização interna como todas as entidades e indivíduos que sempre colaboraram com o Buscapé e traçarmos estratégias para serem executadas durante todo o ano, para que tenhamos mais perspectivas de voltarmos a desfilar no carnaval de 2015.

Lamentamos profundamente a ausência do Buscapé no sábado de carnaval. Temos certeza que esse sentimento é compartilhado pelas mais de 20 organizações e grupos comunitários de Salvador e região metropolitana; pelas centenas de pais, mães, crianças e jovens; pela banda Purificaiyê, de Irará; pelas entidades que coordenam o Buscapé: Vida Brasil, CRPD das Obras Sociais Irmã Dulce, Cama e OIMBA; pelas escolas que abriram as portas para o projeto Buscapé durante o ano; e para os foliões que durante 15 anos tiveram a oportunidade de ver e participar de um dos blocos mais democráticos do carnaval de Salvador. Um bloco que reunia crianças, adolescentes e jovens de diversos bairros populares, incluindo pessoas com deficiência e pessoas em conflito com a lei, que sempre foram historicamente excluídos dessa grande festa originalmente popular, mas que a cada ano perde essa sua principal característica.

De um lado fica a tristeza, mas por outro, fica a certeza de que devemos e temos condições de reverter esse quadro. Com muito trabalho e colaboração de todos, vamos planejar esse ano, para que em 2015 as ruas do Centro Histórico possam voltar a ter o brilho e a alegria que são a marca do Bloco Buscapé.

Atenciosamente,
Coordenação do Bloco Buscapé

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Por onde anda o Fórum Social Mundial?


Entre os dias 24 e 29 de janeiro de 2014, foi realizado o Fórum Social Temático, em Porto Alegre, com o título "Crise capitalista, democracia, justiça social e ambiental". Damien Hazard, coordenador da Vida Brasil e diretor executivo da Abong participou das atividades e assina, junto com Mauri Cruz (diretor estadual da Abong no Rio Grande do Sul), o seguinte editorial, intitulado "Por onda o Fórum Social Mundial?".

Damien Hazard (Vida Vrasil) durante o FSTemático

Por onde anda o FSM?

Os últimos meses foram frutíferos no que diz respeito ao processo do Fórum Social Mundial (FSM). Obviamente, esses fatos não receberam a devida atenção por parte da mídia comercial que, por exemplo, sufocou o noticiário com o Fórum Econômico de Davos no final de janeiro, mas nem sequer citou o Fórum Social Temático 2014 (FSTemático 2014), realizado em Porto Alegre no mesmo período, cujo tema este ano foi “Crise capitalista, democracia, justiça social e ambiental”. O fato é que o FSM continua na boca e na mente dos movimentos sociais de todo planeta. Seus rumos suscitam debates e questionamentos, mas também críticas, inclusive por parte de intelectuais e militantes saudosos/as dos primeiros fóruns ou descrentes sobre a capacidade do FSM em resignificar-se na nova conjuntura mundial.

O FSM evoluiu muito desde que foi lançado, 13 anos atrás. Naquela época, Porto Alegre surgiu como cidade da resistência, quase que única barricada a se erguer contra o pensamento único neoliberal dominado pelo sistema financeiro internacional, ousando defender a ideia de que outro mundo era possível. A partir daí, o FSM multiplicou-se pelo planeta, desdobrando-se em fóruns nacionais, regionais, locais e temáticos.

Assim como o FSM, o mundo de 2014 guarda pouca semelhança com o mundo de 2001. No seminário promovido pela Abong na abertura do FSTemático 2014 no dia 22 de janeiro sobre crise capitalista e agenda pós-2015, o francês Bernard Cassen lembrou que, em 2001, as ideias e propostas do FSM eram somente isso, ideias e propostas. Não havia sequer um governo que tivesse experimentado sua eficácia. Hoje, há várias experiências não só na América Latina, mas também na África e na Europa, que implementaram as propostas sustentadas pelos movimentos do FSM em várias áreas, seja da economia popular, dos direitos sociais ou mesmo da participação popular. Qual deve ser o papel da sociedade civil organizada neste novo contexto? Defender estas políticas públicas e avaliar sua eficácia? Consolidar as propostas, monitorar as políticas e aprofundar as mudanças? Aqui reside uma questão chave: a relação dos processos e das organizações do FSM com as dinâmicas de poder, seja nacional em relação aos governos, seja internacional em relação aos espaços multilaterais de governança global.

No Brasil, muitas organizações e movimentos sociais estiveram envolvidos, na última década, em processos de articulação e de construção de fóruns sociais. Depois da última edição mundial no Brasil, em 2009, na cidade de Belém (PA), o FSM foi para a África, primeiro para Dacar, no Senegal, em 2011, e no ano passado, em março de 2013, para Túnis, na Tunísia. Em muitos aspectos, a dinâmica da sociedade civil brasileira em torno do FSM diminuiu nos últimos anos, a não ser em algumas cidades e regiões, a exemplo de Porto Alegre e da região panamazônica. Já não há mais uma articulação nacional de organizações ou comitês estaduais do FSM.

Trazer o FSM novamente para o Brasil, como sugerem alguns, não é a solução. O FSM desenvolveu-se numa região do mundo onde a efervescência da sociedade civil permitiu reunir uma parte expressiva de novos atores mundiais de oposição ao neoliberalismo. A última edição mundial do evento em Túnis deu um novo fôlego para o FSM, com a participação da juventude, das mulheres, da população tunisiana e dos diversos povos da região, assim como de movimentos vindos de todos os continentes, dentre os quais, uma representação brasileira que permaneceu expressiva. O FSM 2013 permitiu dar maior visibilidade às lutas dos movimentos sociais da região, que por sua vez, viram seu papel fortalecido na geopolítica local, a exemplo do próprio contexto tunisiano. Por isso, durante a sua última reunião, ocorrida em Casablanca, no Marrocos, entre 16 e 18 de dezembro passado, o Conselho Internacional do FSM, do qual a Abong é membro, tomou a decisão de realizar o próximo FSM novamente em Túnis, em março de 2015. No ano seguinte, em agosto de 2016, acontecerá a primeira edição mundial do evento num país do “Norte”: em Montreal, no Canadá. Os dois processos de construção, na Tunísia e no Canadá, devem acontecer de forma integrada.

As organizações e movimentos brasileiros continuam exercendo um papel importante no processo do FSM, e contribuem para manter viva e acesa a agenda anti-Davos, gritando ao mundo de forma explícita que parte significativa da população do planeta posiciona-se contra o modelo capitalista vigente que financia guerras, gera milhões de refugiados, miséria, fome, desigualdade e caos ambiental, penalizando principalmente as crianças, os/as jovens, as mulheres, as populações não-brancas e os/as trabalhadores/as de todos os continentes. É o que mostrou, por exemplo, a Cúpula dos Povos, realizada em junho de 2012, em paralelo ao evento oficial Rio+20, e que conseguiu mobilizar multidões de organizações e movimentos, realizar debates e produzir posicionamentos convergentes, críticos e propositivos de alta qualidade e relevância. Ou ainda o FSTemático 2014, ao reunir mais de 5 mil militantes sociais em Porto Alegre entre 21 a 26 de janeiro com 17 atividades de convergência e a presença de cerca de 300 convidados internacionais de 40 países. Muito mais do que pela quantidade, o FSTemático 2014 foi significativo pela qualidade de seus debates e de seus encontros e articulações possibilitadas, assim como por sua diversidade preservada. Houve mais de 300 atividades autogestionadas ligadas às temáticas da educação formal, da educação popular, das lutas LGBT, às denúncias de violência contra a juventude negra da periferia, aos direitos das mulheres, à crise urbana, à violação dos direitos humanos resultado do modelo neodesenvolvimentista, à demarcação dos territórios indígenas e quilombolas, à cultura como direito humano ou ainda à democratização dos meios de comunicação expressos no Fórum Mundial de Mídia Livre.

O FSTemático 2014 também significou um passo na rearticulação dos movimentos e organizações sociais brasileiras. Foi realizada uma reunião representativa de todas as redes e movimentos sociais brasileiros presentes em Porto Alegre e o acordo da realização de uma grande atividade conjunta em março próximo na cidade de São Paulo para a reconstrução de um Comitê Brasileiro. Esta será uma primeira reunião ampla para rearticular todos e todas que se identificam com a Carta de Princípios do FSM e que abrirá um calendário de outras reuniões similares nas demais regiões do país preparando a atuação brasileira no contexto nacional, latino-americano e mundial.