sábado, 21 de março de 2015

Fórum Social Mundial: a Bahia em Túnis

Malas prontas. Rumo à Túnis.

Finalmente chegou a hora de discutir um outro mundo possível, com gente de todos os cantos.



A Vida Brasil se orgulha de participar e ajudar a construir mais um Fórum Social Mundial (FSM). Novamente o encontro será realizado na Tunísia, em sua capital Túnis. E o Brasil, precursor do evento, levará uma das maiores delegações, tendo a Bahia como um dos estados mais representativos.

Desde setembro, a Vida Brasil vem mobilizando o movimento social baiano em torno das discussões do Fórum. Desse processo, se formou o Coletivo Baiano/FSM, que deu continuidade ao projeto iniciado desde 2013, ano do último Fórum e que contou com uma expressiva delegação baiana.

Em 2015, o Coletivo Baiano assumiu a responsabilidade de realizar o Seminário Internacional preparatório para o Fórum Social Mundial, que ocorreu nos de 22 a 24 de janeiro, em Salvador. O evento reuniu representações do Brasil inteiro, além de membros do Comitê Internacional do FSM. O Seminário aprofundou diversos debates e serviu para articular ainda mais a mobilização em torno do Fórum.

Alaa Talbi, do Comitê Internacional do FSM, durante Seminário realizado pelo Coletivo Baiano e Comitê Nacional


Durante todo esse processo, diversas organizações foram se somando ao projeto e compondo o Coletivo Baiano. O resultado é que a Bahia terá mais de 40 representantes em Túnis, oriundos de diversos segmentos do movimento social e garantindo a diversidade de gênero, raça, geração e bandeiras de luta.

Bandeiras que representam a luta diária de cada entidade, mas que somam-se a todas as outras, formando uma unidade: a luta por um outro mundo possível. Um mundo sem racismo, sem homofobia, inclusivo, solidário, com equidade, sem concentrações fundiárias, midiáticas e de renda. Enfim, um mundo mais justo, participativo e democrático, onde todas as violências decorrentes das desigualdades, injustiças e intolerâncias sejam extintas.

Reunião do Coletivo Baiano/FSM, na sede da Vida Brasil


Violência que, infelizmente, foi sentida em Túnis há poucos dias do FSM, onde um atentado terrorista vitimou tunisianos e estrangeiros. Violência que, no Brasil, esteve recentemente nas ruas, através de discursos de ódio promovidos por manifestantes que pediam uma intervenção militar no país. Violência que é vista e sentida diariamente na Bahia, com uma política de segurança e um abismo social que promovem a morte de centenas de jovens, majoritariamente negros e negras.

E é para buscar formas de combater essas violências e suas causas, que o Fórum Social Mundial se configura como um espaço propício para discutir essas questões, conhecer experiências internacionais e ampliar as relações com pessoas e organizações que trabalham com uma perspectiva de mudança ao modelo atual de desenvolvimento, afundando em crises econômicas, políticas, ambientais e bélicas.

Para contribuir com esse intercâmbio, o Coletivo Baiano e a Vida Brasil também realizarão algumas atividades. No dia 25/03, às 4:30 (horário de Brasília – 08:30, horário de Túnis), o Coletivo Baiano promoverá a mesa “Água é Vida”, em que se discutirá diversas problemáticas transversais ao acesso à água. No mesmo dia, às 11h (horário de Brasília – 15, horário de Túnis), a Vida Brasil realizará a atividade “Desafios dos movimentos para implementação de políticas inclusivas e de acessibilidade”, apresentando experiências do Brasil e Norte da África.

Coletivo Baiano rumo ao Fórum Social Mundial


Além dessas atividades, diversas outras serão promovidas por entidades que pertencem ao Coletivo Baiano ou pela Delegação Nacional. Somando-se, assim, a uma programação ampla e diversificada que reúne experiências e discussões do mundo inteiro.

E é com o espírito solidário, disposto a trocar experiências, acrescentar, aprender e compartilhar, que o Coletivo Baiano embarcará rumo a Túnis, neste final de semana e retornará no dia 29 de março. A expectativa é de trazer uma bagagem pesada, carregada de experiência e conhecimento, para ser compartilhada com toda a sociedade. E a certeza de que a Tunísia, berço da Primavera Árabe e farol do processo de democratização no norte da África, ensinará muito à delegação brasileira e, da mesma forma, também aprenderá com tanto intercâmbio.


A partir de 25 de março, o mundo estará na Tunísia. E a Bahia se fará mais uma vez presente no continente em que estão fincadas as suas raízes. Rumo à África. Rumo à Túnis. Rumo à construção de um outro mundo possível!

quarta-feira, 18 de março de 2015

Encontro Regional discutiu o direito à Comunicação no Brasil

Foi realizado nos dias 12, 13 e 14 de março, o Encontro Nordestino pelo Direito à Comunicação (ENeDC), em Recife. A Vida Brasil esteve representada pelo seu assessor de comunicação, Alex Hercog, que também integra o Coletivo Baiano pelo Direito à Comunicação.

O evento reuniu pessoas de todo o Nordeste, em sua maioria estudantes, produtores e produtoras independentes, e representantes do movimento social que trabalham em defesa da liberdade de expressão e da democratização dos meios de comunicação no país.

A plenária de abertura do Encontro contou com o professor César Bolaño (UFS), a deputada federal Luciana Santos, Rosane Bertotti (FNDC) e Emiliano José, secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações. Emiliano anunciou que em breve o Ministério irá lançar um pacote de medidas visando desburocratizar e incentivar a atuação das rádios comunitários, além de trabalhar com a perspectiva de construção de uma mídia democrática.

Mesa de Abertura. Créditos: Divulgação ENeDC


Os dias seguintes contaram com diversas oficinas, rodas de diálogo e mesas de debate. Dois importantes aspectos se destacaram nas discussões: a necessidade de regulamentação do artigo 220 da Constituição; e o estímulo à produção de mídia alternativa à hegemônica.

O artigo 220 prevê a vedação de toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística; proíbe o monopólio e o oligopólio; e estimula a regionalização da produção cultural, artística e jornalística; dentre outros. Elementos, esses, que não são cumpridos na prática, o que demanda a elaboração de um marco que regulamente esse artigo e projete uma mídia mais democrática e plural.

Uma das propostas para pressionar o Governo e o Congresso a regulamentar o artigo constitucional é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. As propostas do projeto estão disponíveis no site do “Para Expressar a Liberdade”, em que qualquer cidadão e cidadã podem colaborar na coleta de assinaturas, clicando aqui

Roda de Diálogo "Mídia e Jornalismo no contexto atual". Créditos: Divulgação ENeDC


Outro elemento bastante debatido durante o Encontro foi a necessidade de produção alternativa. Alguns exemplos foram apresentados, como o Coletivo Nigéria de Comunicação (Ceará), que vem produzindo vídeos e filmes de fatos e versões ignorados pela grande mídia.

Da Bahia, esteve presente o co-fundador do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério, que apresentou a experiência do portal Correio Nagô, um site de notícias e artigos que tem a questão racial como elemento central. O Coletivo Intervozes também apresentou uma publicação de análise da cobertura midiática durante as manifestações de junho de 2013.

Esses só foram alguns exemplos de produção alternativa e iniciativas que contribuem para a diversidade midiática do país, por mais que o espaço seja concentrado nas mãos de poucas empresas que detém o oligopólio dos meios de comunicação no Brasil.

Momento cultural do Encontro. Créditos: Divulgação ENeDC


O saldo do encontro foi extremamente positivo, pois serviu para debater temas fundamentais para a democracia brasileira, que é o direito à comunicação, além de favorecer a articulação de organizações e coletivos em torno de projetos políticos e de produção de conteúdo que contribuam para a democratização da comunicação no país.

O Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação será realizado em Belo Horizonte, nos dias 10, 11 e 12 de abril. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

(I)lógica da violência urbana: uns nascem para matar e outros nascem para morrer. E ponto final. Final?

Imagens da Audiência Pública promovida pela OAB-BA

Calor. Tensão. Vaias. Aplausos. Gritos. Ameaças. Provocações. Nas falas dos que tiveram acesso ao microfone, notou-se lucidez e pertinência em algumas. Desrespeito e violência em outras. Na plateia, as provocações eram constantes. Policiais, sem farda, formavam parte do público, também composto por estudantes, advogados, representantes de organizações não governamentais e movimentos sociais, jornalistas, professores universitários. Homens, mulheres de diversas idades. Cerca de 200 pessoas estavam dentro do auditório e mais umas 100 do lado de fora. Esse foi o cenário da Audiência Pública ocorrida na manhã do dia 26 de fevereiro, na sede da OAB, na Piedade, Salvador, intitulada “A ação da Rondesp no Cabula: limites para o uso da força da Polícia Militar”. 

Amontoada entre os presentes me vi literalmente prensada entre policiais militares. Eles queriam falar. “Moça, escute uma coisa, você quer seus familiares mortos? Não quer. Então, vocês têm que deixar a gente fazer o nosso trabalho”. Com dois, menos inflamados, consegui iniciar um diálogo. Um deles disse em tom de desabafo: “entrei na PM porque tinha esse sonho desde criança. Hoje, os meninos não querem mais ser policiais. A sociedade perdeu a moral”. Provoquei o cidadão - negro e jovem – deveria ter no máximo 30 anos -, tentando fazê-lo compreender que a lógica mocinho-bandido, bom-e-mau funciona nos contos de fadas, mas não se aplica à vida real. “Você não percebe que também é vítima?”, retruquei. “Eu sei. Sou negro e pobre. Igual a esses bandidos que morreram. Também não temos nossos direitos respeitados. Mas estamos ali para cumprir o nosso papel”, me disse. Inferi: “Ok. E qual é o seu papel?”. Ele respondeu: “acabar com os criminosos, os maconheiros, esses drogados. Custe o que custar. E voltar vivo para casa. Você quer morrer? Claro que não, moça. Ninguém quer”. Veredito dado. 

Esta é a lógica cruel que costura as relações em nossa sociedade. A lógica da guerra que prevalece nas políticas de segurança pública, na atuação policial, na mídia sensacionalista, nos discursos religiosos e político-partidários. Mesma lógica que naturaliza a morte de jovens negros moradores das periferias, que viram estatística, assim como naturaliza os treinamentos ditatoriais que acontecem nos quartéis, os baixos salários dos policiais, entre outros desrespeitos denunciados pela categoria. A lógica da guerra é a que move. É a que mata. É a que extermina vidas e extermina vozes e possibilidades de construção de uma realidade melhor, mais digna e humana. Lógica que permite que os policiais envolvidos na operação realizada pela Rondesp no Cabula – que acabou com 12 mortos – continuem a trabalhar, normalmente, no dia seguinte ao ocorrido. Inclusive, sem nenhum acompanhamento psicológico. Afinal, matar não é normal. Ou, pelo menos, não deveria ser. 

Lógica que em boa parte dos casos que envolve morte de moradores de bairros populares contribui para engavetar as apurações. Lógica que certamente não vai ser nunca compreendida pelas mulheres que estavam sentadas na primeira fileira do auditório da OAB naquela manhã de quinta-feira. Mães, avós, tias dos jovens mortos durante a operação policial, elas permaneceram ali, na frente, caladas, escutando as falas mais acolhedoras – como a de uma militante do movimento feminista que ressaltou que quando jovens morrem, as mães – mulheres, negras – morrem junto, pouco a pouco, sem amparo – às mais agressivas, como a de um representante dos policiais que pediu: “parem de chamar esses bandidos de jovens, meninos. São marginais. Bandidos”. Fiquei pensando o que estava passando pela cabeça daquelas mulheres que muito provavelmente talvez estivessem participando pela primeira vez de uma audiência pública. Um espaço democrático, que permitiu que divergências fossem expostas, descortinando alguns véus de cinismo que perpassam a nossa sociedade. Espaço que permitiu o início de um diálogo, certamente o único caminho possível para mudar essa (i)lógica.

Bruna Hercog é soteropolitana, jornalista, associada da ONG Vida Brasil e assessora de comunicação em projetos de Segurança Cidadã do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU).