sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019


Bira Reis: um ser musical universal*

Fotografia de Bira Reis tocando
Câmara Municipal, 18 anos da Vida Brasil
Bira Reis sempre surpreendeu! Os ensaios do seu bloco Kizumba, na frente da Oficina de Investigação Musical (OIM), no Pelourinho, estavam bombando neste mês de janeiro, na expectativa do Carnaval 2019. Desde sua criação em 1990, Kizumba incarnou uma proposta instrumental diferente no Carnaval, com ar de resistência cultural, potencializada mais ainda no novo contexto político. Bira, amante do jazz, gosta de improviso e, de repente, colocou no sábado, 19 de janeiro, um solo inesperado na música da vida. Como grande mestre, sem uma só nota ou palavra, improvisou um fim com festa de despedida.
“Escute e entenda o que diz o silêncio na música”, dizia Bira - uma ideia também cara ao Miles Davis.
Percussionista, saxofonista, educador, pesquisador e musicólogo, Bira era uma pessoa iluminada, aglutinadora, carismática, atraente para as mais diversas pessoas e tribos. Teve o reconhecimento dos mais humildes aos grandes nomes da música internacional. Um ser universal, como tão bem o resume Joyce, sua esposa. A OIM, criada nos anos 80 na Federação e transferida para o Pelourinho, sempre foi ponto de encontro ou de partida para múltiplos músicos e percussionistas, artesãos, atores, amantes e estudiosos da cultura popular brasileira.
Bira introduziu o sopro no Bloco Afro Olodum, com quem realizou as primeiras turnês internacionais nos anos 90. Também dirigiu suas próprias formações musicais, tais como a banda de afro-jazz Ilú Batà e o bloco instrumental Kizumba. Foi um dos fundadores do Bloco Buscapé, de crianças e adolescentes, que desfilou durante 16 anos no Carnaval do Pelourinho.
Bira ainda era reconhecido como herdeiro de Walter Smetak, o “descompositor contemporâneo” suíço-baiano, tendo cuidado da conservação dos seus extraordinários instrumentos. Como ele, era compositor de instrumentos: os Totens Sonoros.
Fotografia feita no carnaval Bloco Buscapé
com Bira Reis e Damien Hazard
Conheci Bira há 30 anos, em 1989, quando cheguei à Bahia. Trabalhamos arduamente juntos e com outras pessoas, para desenvolver os projetos da OIM e enfrentar a reforma do Pelourinho, nos anos 90, que resultou na expulsão da maioria da população. A OIM conseguiu ficar, apoiada por uma campanha de solidariedade internacional, e prosseguir desenvolvendo seus projetos de educação, fabricação de instrumentos musicais e disseminação da cultura afro-brasileira.
Bira Reis falava do Pelourinho para o mundo, com uma consciência profunda e peculiar do universo, nada eurocêntrica ou acadêmica, mas impregnada da cultura popular e da vanguarda da música instrumental e das outras artes. A sua obra, imensa, permanece viva por onde ele passou. Dirá o Bloco Kizumba no Carnaval que se aproxima. Talvez esta e outras novas músicas da vida sejam a resposta do seu inesperado silêncio.
Damien Hazard
Coordenador da ONG Vida Brasil e diretor estadual da Abong- Associação Brasileira de ONGs
* Artigo publicado pelo Jornal A Tarde, 21 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019


UMA CONQUISTA DA QUAL PARTICIPOU A VIDA BRASIL: APROVAÇÃO DA ESTRATÉGIA NACIONAL DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA GUINÉ-BISSAU

Fotografia da câmara técnica, 
sociedade civil e governo
No último dia 18 de dezembro de 2018, a Estratégia Nacional de Inclusão de Pessoas com Deficiência na Guiné-Bissau (ENIPD-GB) foi apresentada publicamente pelas organizações da área da deficiência e aprovada em seguida pelo governo daquele país. Com esse ato, um passo histórico e fundamental foi realizado para promoção dos direitos das pessoas com deficiência na Guiné-Bissau.

A construção e aprovação de uma estratégia nacional de ações para esse segmento é uma reinvindicação de longa data do movimento social, e mais especificamente da FADPD/GB - Federação das Associações de Defesa e Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência na Guiné-Bissau. É o resultado de anos de construção que mobilizaram diversas organizações, de todas as regiões do país, mas também da cooperação internacional, a exemplo da entidade francesa Humanidade & Inclusão (novo nome de Handicap International, ou HI) e da entidade italiana AIFO, ambas presentes no país africano.

Esta também é uma conquista e um resultado do trabalho da Vida Brasil, que atuou intensamente nesses últimos anos como consultora no país africano em diversas frentes: elaboração de projetos de fortalecimento do movimento das pessoas com deficiência e de promoção da educação inclusiva; formação de profissionais e atores sociais em acessibilidade, em animação inclusiva e em políticas públicas; realização de pesquisas (a exemplo de um estudo em curso sobre a violação dos direitos das crianças com deficiência na Guiné Bissau), elaboração de guias metodológicos, notadamente em acessibilidade; e finalmente co-redação e finalização da Estratégia nacional de inclusão de pessoas com deficiência.

A ENIPD-GB, em conformidade com as exigências da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) ratificada pela Guiné-Bissau em 2014, surge para responder à necessidade de implementar uma política ampla de promoção de direitos para um segmento caracterizado pela violação ampla dos seus direitos. As pessoas com deficiência na Guiné-Bissau encontram-se nas camadas mais vulneráveis da população e as que menos conseguem exercer os seus direitos. Seu acesso a serviços públicos de saúde, educação, trabalho, assistência social, lazer, cultura e desporto entre outros, é extremamente reduzido. Meninas e mulheres com deficiência, ou pessoas com deficiência nas regiões, por exemplo, enfrentam uma interseccionalidade das discriminações, com maior vulnerabilidade e exclusão.

Vale ressaltar que a elaboração desta estratégia seguiu uma metodologia participativa e inclusiva. Foi criada uma Comissão Técnica composta por diferentes atores, sob a tutela do Ministério da Família, Mulher e Solidariedade Social. Informações qualitativas foram recolhidas no Setor Autónomo de Bissau e nas sete regiões administrativas (Biombo, Cacheu, Oio, Bafatá, Gabu, Quinara e Tombali). A Vida Brasil assessorou a comissão técnica para estruturação, redação e finalização da ENIPD.

fotografia da reunião mostrando pessoas 
com deficiência e suas associações 
O objetivo geral da ENIPD é: Contribuir para a Promoção dos direitos, da participação e a inclusão efetiva das pessoas com deficiência na sociedade. No contexto da Guiné-Bissau, desdobra-se em 8 objetivos específicos, e conta com mais de 70 ações estratégicas divididas em seis eixos de intervenção, interligados e complementares:
1)      Direitos Humanos
2)      Acessibilidade
3)      Educação, formação e emprego
4)      Saúde
5)    Desporto e Cultura
6)      Monitoria e Avaliação

Um Plano de ação da ENIPD, sob forma de tabela, apresenta o conjunto das estratégias, seus respectivos eixos e ações estratégicas, seus resultados esperados, indicadores de desempenho e seu cronograma indicativo de execução.

Vida Brasil se soma ao entusiasmo dos seus parceiros africanos para celebrar essa conquista. Em um período de tantas incertezas para o mundo, são momentos e fatos como este que alimentam a esperança e as lutas.
Fotografia de grupo com os participantes da reunião do ato de aprovação
da estratégia de Inclusão das pessoas com deficiência em Guinè Bissau