sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e Agenda Pós-2015

Estamos a trinta dias da 70ª Assembleia geral das Nações Unidas que consagrará um novo marco de desenvolvimento para o planeta: é a Agenda Pós-2015 que institui os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para os próximos 15 anos. Os ODS sucedem aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançados em 2000 e com prazo de vigência até 2015.

Concebidos por meio de um processo muito mais participativo do que para construção dos ODM, os ODS também são mais ambiciosos e envolvem o debate sobre o modelo de desenvolvimento que queremos e que precisamos. Os ODS surgem da convergência das conferências sobre desenvolvimento e sobre sustentabilidade ambiental, como a Rio+20 em 2012. Além da Assembleia da ONU em Nova Iorque, ocorrem este ano dois outros importantes eventos no âmbito das Nações Unidas, de negociações internacionais voltadas para uma ação global em prol do planeta e da humanidade: a Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento que ocorreu em julho na Etiópia, com resultados aquém do esperado, e a COP 21 sobre mudanças climáticas, em Paris, no próximo mês de dezembro.

Todos esses debates e negociações, aparentemente distantes das nossas preocupações cotidianas, atingem em cheio a nossa realidade e o nosso futuro, assim como de todos os povos do mundo. A Agenda Pós-2015 não é apenas uma agenda nacional ou internacional, mas também é de abrangência subnacional (estadual, territorial e municipal) e norteará políticas públicas e recursos financeiros. Por isso, os ODS merecem a atenção dos mais diversos atores sociais, tanto no atual processo de discussão e elaboração do seu marco conceitual, quanto nas próximas fases de implementação de políticas e programas, além do seu monitoramento.

Artigo publicado no dia 20/08/2015 no jornal A Tarde


O desenvolvimento sustentável cobre três dimensões: econômico, social e ambiental. São 17 ODS* que correspondem a 169 metas. Os ODS tratam de grandes problemáticas da sociedade: pobreza, desigualdades; vidas saudáveis e bem estar; segurança alimentar; água e saneamento; educação inclusiva; igualdade de gênero; mudanças climáticas; biodiversidade; oceanos; energia; crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável; emprego e trabalho decente; cidades; infraestrutura; consumo e produção; paz; parceria global; e meios de implementação, entre outras questões.

A fase, em curso, de elaboração de indicadores referentes às diversas metas deve seguir até março de 2016. Segundo a Fundação Abrinq, 12 dos 17 objetivos não possuem no Brasil indicadores para todas as suas metas. Os indicadores dão sentido às metas e o seu detalhamento deve contribuir para que “ninguém seja deixado para trás”, como lembra uma das ideias chaves da Agenda Pós-2015.

Vejamos o objetivo 16: “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, oferecer a todos o acesso à justiça e construir instituições efetivas, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”. Por trás de um debate aparentemente técnico, surgem perguntas que interessam a todas e todos. O que significa a construção de uma sociedade de paz na América Latina, líder no ranking dos homicídios (com um terço do total no mundo)? Que avanços podem ser medidos em um país como o Brasil, que é campeão de homicídios intencionais, e cujas vítimas são em maioria jovens homens negros da periferia das grandes cidades? Quais deveriam ser os indicadores para o nosso país, o nosso estado e o nosso município?

Assim como nos processos de negociação intergovernamental, a Agenda Pós-2015 é e será o palco de interesses muitas vezes antagônicos. A sociedade civil, que defende um desenvolvimento voltado para efetivação dos direitos humanos para além do crescimento econômico, não pode ficar fora deste debate.



Damien Hazard

Coordenador geral da ONG Vida Brasil e diretor executivo da Abong- Associação Brasileira de ONGs

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* Os 17 ODS são:

ODS1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

ODS2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição, e promover a agricultura sustentável;

ODS3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades;

ODS4. Garantir educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida para todos;

ODS5. Alcançar igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;

ODS6. Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos;

ODS7. Garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos;

ODS8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos;

ODS9. Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação;

ODS10. Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles;

ODS11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis;

ODS12. Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis;

ODS13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos;*
*Reconhecendo que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) é o principal fórum internacional e intergovernamental para negociar a resposta global à mudança do clima.

ODS14. Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;

ODS15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater à desertificação, bem como deter e reverter a degradação do solo e a perda de biodiversidade;

ODS16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;

ODS17. Fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Vida Brasil contra a redução da maioridade e em defesa da educação das crianças e adolescentes

Agosto é um dos principais meses do ano para se discutir a educação básica das crianças e adolescentes no país. São diversas datas oportunas para se travar o debate e realizar ações, a exemplo do Dia do Estudante (11/08), Dia da Infância (24), Dia Nacional da Educação Infantil (25), além do Dia Nacional dos Direitos Humanos, comemorado no último 12 de agosto.

Considerando os princípios fundamentais da declaração dos Direitos Humanos, foi que em 1990 se instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Portanto, em 2015 o ECA completou 25 anos de existência. Essa data tão simbólica poderia ser usada para se discutir medidas que garantam à criança e ao adolescente o direito à Educação, com “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, como prevê o artigo 53 do ECA. Também no Estatuto se discutem as medidas socioeducativas que devem ser aplicadas às crianças e adolescentes condenadas por algum crime.

Projeto Buscapé: discutindo os princípios do ECA e Direitos Humanos nas escolas públicas


No entanto, o que se percebe é que a sociedade brasileira vem num processo crescente de desvalorização e até enfrentamento dos princípios defendidos pelo ECA e pela própria declaração dos Direitos Humanos. A desinformação é um dos principais fatores para deturpar esses instrumentos, muitas vezes bloqueando o debate ao sentenciar que tais documentos servem para “defender bandido”. Esse preconceito e indisposição ao debate permite que pautas retrógradas avancem no país. É o caso do projeto de lei que prevê a redução da maioridade penal para 16 anos.

É nítido que a proposta de redução tem mais objetivos político-partidários do que, de fato, combater a violência no Brasil. É tendência mundial que a idade mínima seja de 18 anos. Até mesmo em países como os Estados Unidos, em que alguns estados, como Texas e Nova York, possuem maioridade de 16 anos, já estão avançando projetos de leis defendendo a ampliação da maioridade. Ou seja, países de todos os continentes do mundo defendem a idade mínima de 18 anos, enquanto que outros, que passaram pela experiência de redução, estão voltando atrás.

O Brasil, infelizmente, anda na contramão do mundo, acreditando que trancafiar pessoas de 16 e 17 anos no mesmo presídio que adultos e privados de receber medidas socioeducativas específicas, dentro de um sistema prisional que já se revela falido, vai reduzir a violência. O mundo provou que não, mas a ausência de debate por aqui permite que cada vez mais pessoas apoiem a redução.

Vida Brasil participando do ato Contra a Redução da Maioridade Penal


E enquanto o debate nacional se limita à pauta da redução, o país perde a oportunidade de discutir outras ações mais oportunas no combate à violência. A educação, por exemplo. A realidade cotidiana tem revelado que as escolas estão cada vez mais desprestigiadas e que a competição com o mundo fora dos muros da escola está cada vez mais desleal. Além disso, sobretudo as crianças e adolescentes da periferia vivem em um contexto de exclusão de diversos direitos fundamentais, como moradia digna, acesso a bens e serviços públicos e culturais, acesso a transporte público e de qualidade, que acabam influenciando sua formação, o afastando cada vez mais do processo educativo e lhe aproximando do universo do crime, vislumbrados pelo poder e riqueza que o tráfico de drogas finge ofertar.

E a mesma Câmara dos Deputados que avança no projeto de redução é a mesma que em julho rejeitou a oferta do ensino médio obrigatório nas prisões.

Reduzir a redução da maioridade penal e negar os princípios do ECA e dos Direitos Humanos não reduz a violência. Ao contrário, tende a aumentar. E quem paga por isso, inclusive com a própria vida, é a população mais pobre, sobretudo as crianças e adolescentes negras. A quem interessa, então, a redução da maioridade penal?

Oportunamente, agosto também é significativo para o movimento negro, que promove diversas atividades de combate ao racismo durante o mês, além da realização da marcha mundial contra o genocídio da população negra. Por ser esse o segmento que mais sofre com a violência, é que a pauta da redução está diretamente ligada às pautas do movimento negro, de quem a Vida Brasil sempre atuou como parceira e continua colaborando com as ações realizadas por diversas entidades.

Vida Brasil participando da aula pública com estudantes da rede pública sobre a "Revolta dos Búzios", atividade do "Agosto Negro", promovido pela CONEN.


Portanto, além de ser contrária à redução, a Vida Brasil segue tentando contribuir com a alteração desse cenário de violência sofrido pela sociedade, sobretudo pela população negra. Além de incidir politicamente e defender os Direitos Humanos para todos e todas – e não apenas para quem possui dinheiro e poder – a Vida Brasil acredita na valorização da educação das crianças e adolescentes.

Há 19 anos a Vida Brasil trabalha no projeto Buscapé, se valendo da arte e da educação para contribuir na formação de jovens; defende o programa de acessibilidade e educação inclusiva; promove o intercâmbio com grupos de outros países, a exemplo do Malagasy, grupo cultural composto por meninas de Madagascar e que foi recebido pela Vida Brasil em 2014; e busca incidir politicamente, como na participação em atos contra a redução da maioridade penal, organizado pela Frente Estadual Contra a Redução; no apoio ao ICS (Instituto Cidadania Suburbana) para a realização do seminário “Subúrbio debate a PEC 171”; além da atuação em conselhos, a exemplo do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e dos Adolescentes.

Malagasy, grupo cultural do Madagascar, participando de um intercâmbio em Salvador, apoiado pela Vida Brasil.


Dessa forma, a Vida Brasil aproveita o mês de agosto, significativo para quem luta pelo direito à educação das crianças e adolescentes, para novamente se posicionar contrária à redução da maioridade penal, e a favor de programas que valorizem a educação dos nossos jovens.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Vida Brasil participou de Seminário que discutiu os 24 anos da Lei de Cotas (8213/91)

Islândia Costa e Heron Cordeiro
Na última sexta-feira, 31 de julho, os coordenadores do programa de Acessibilidade da Vida Brasil, Islândia Costa e Heron Cordeiro, participaram do Seminário “Avanços e Desafios na Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho”. O evento promovido pelo Ministério Público do Trabalho reuniu, em Salvador, empresários, funcionários, representantes do movimento social e do poder público para debater a participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em decorrência dos 24 anos da Lei 8213/91.

A “Lei de Cotas”, como é conhecida, exige que as empresas destinem vagas de trabalho para pessoas com deficiência, garantindo os seus direitos sociais e inclusão na sociedade. No entanto, os dados apresentados no Seminário indicam que apenas 0,73% das pessoas com deficiência na Bahia estão atuando no mercado de trabalho.

Para Islândia Costa, essa conquista é progressiva e tem que vir acompanhada de outros suportes, que não seja simplesmente a garantia das vagas. Ela citou o próprio processo de conquista de direitos das mulheres na sociedade, que em um passado recente nem direito ao voto tinham. Para Islândia, a garantia de oportunidades e tratamento justo para as pessoas com deficiência também é processual, por isso a Lei de Cotas não é suficiente, é preciso outras medidas complementares. A necessidade de empresas adaptadas e acessíveis, além da sensibilidade do contratante de respeitar as potencialidades e limitações do empregado são fundamentais para evitar desvios de funções e preservar boas condições de trabalho.

Islândia Costa, coordenadora do programa de Acessibilidade da Vida Brasil

Os participantes do Seminário também destacaram que não se contrata apenas um funcionário para exercer uma atividade laboral, mas também um ser humano, com suas especificidades que devem ser respeitadas. No caso de pessoas com deficiência, é necessário que o contratante não esteja apenas preocupado em cumprir a Lei de Cotas, mas que saiba se relacionar com o contratado para encontrar a melhor forma de incluí-lo nas atividades, de modo que seja satisfatório para ambas as partes.