quarta-feira, 23 de abril de 2014

A educação em Itaparica e no Brasil: estatísticas que ocultam mais do que revelam

Artigo originalmente publicado no "ICAE Virtual Seminar: Education Post 2015"
Por Alex Hercog
Assessor de Comunicação / Relações Públicas da Associação Vida Brasil

A educação em Itaparica e no Brasil: estatísticas que ocultam mais do que revelam

Escola e suas ilhas de desafios
Ilha de Itaparica, município de Vera Cruz, Bahia, Brasil. Para chegar até lá, partindo de Salvador, é preciso atravessar de lancha a Baía de Todos os Santos, o que leva cerca de 50 minutos. Desembarcando em Mar Grande, é necessário seguir de automóvel por mais alguns minutos para, enfim, se chegar a uma de suas praias, cujo nome manterei em sigilo por questões éticas.

No final de 2013 estive em uma escola pública estadual dessa praia, na Ilha de Itaparica, com uma vista privilegiada para um infinito mar da costa. Na entrada, os estudantes pintavam o muro com desenhos e trechos de poesia. Fui bem recepcionado e, no final, tive a oportunidade de conversar em particular com a diretora.

Não demorou muito para a fala da professora se transformar em lamentação, se queixando da falta de recursos ou do mau uso dos investimentos. Ela admitia que o nível de instrução de parte dos alunos não era satisfatório, até mesmo para os que já estavam em séries mais avançadas. Segundo ela, muitos estudantes chegavam ao ensino médio sem saber escrever direito ou resolver problemas simples de matemática.

Mesmo sem ter condições de cursar determinadas séries, os alunos eram aprovados. De um lado, a pressão do Governo do Estado, que assedia os colégios: a aprovação evita a necessidade de abrir novas vagas, além da economia de um ano de custos com o aluno. Do outro lado, a própria complacência da escola, que acredita que é melhor o jovem concluir os estudos – mesmo com déficit de aprendizado – do que ser reprovado e, provavelmente, abandonar o colégio.

Para muitos desses jovens, a escola é o único suporte que eles têm. De condições sociais precárias, boa parte tem se envolvido com o tráfico de drogas. Meninos de 13, 14, 15 anos em diante, estão abrindo mão dos estudos, seduzidos pelas promessas do tráfico: dinheiro, respeito e proteção de sua turma, além do status desejado por qualquer jovem e que é viabilizado pelo dinheiro advindo da venda de drogas. Entre o trabalho no tráfico com suas vantagens a curto prazo e os estudos, muitos têm escolhido a primeira opção.

Com poucas possibilidades de agir, a escola cumpre o seu papel e convoca os familiares dos meninos que se encontram nessa situação para comunicá-los – de forma sutil, para não causar constrangimento. Segundo a diretora do colégio: “entra por um ouvido e sai pelo outro”. Se referindo à reação dos pais.

Antes de qualquer conclusão premeditada, ela justificou. Essas famílias vivem em condição de pobreza. São pais e filhos que muitas vezes vivem com um salário mínimo ou auxílios governamentais como o “Bolsa Família”. De repente, os pais presenciam o filho chegar em casa trazendo um quilo de feijão, arroz, carne, leite. Enfim, com produtos básicos que eles dependem. Qual seria a reação de um pai e de uma mãe? Recusar? A emergência da situação é preenchida com o imediatismo que o dinheiro do tráfico proporciona. Os pais fingem que não sabem de nada. E os filhos se distanciam cada vez mais do ambiente escolar. Reprová-los seria a solução? Para a escola, não. É melhor que esse jovem tenha um diploma de formação e a possibilidade de acolhimento no colégio, do que agir com o rigor e acabar por afastá-lo ainda mais. A escola se mostra impotente diante dos rumos de parte de seus alunos. Por isso, se não consegue resolver, ao menos tenta reduzir os danos causados pelo caminho que o jovem aceitou percorrer. Essa é a situação da escola localizada em uma das praias da Ilha de Itaparica, de acordo com o relato de sua diretora.

Evasão escolar, investimentos e qualidade de ensino no Brasil
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento 2012, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil possui uma taxa de evasão escolar de 24,3%. Na América Latina, só fica à frente de Guatemala (35,2%) e Nicarágua (51,6%). Dos que abandonam a escola, 93,75% pertencem à rede pública de ensino.

Em relação à taxa de analfabetismo, o número de jovens acima dos 15 anos, que não concluiu a alfabetização caiu de 12,4% em 2001 para 8,7% em 2012, de acordo com o IBGE. Ainda analisando alguns dados, pode se destacar o fato de que o Brasil é um dos países do mundo que mais aumentou seu investimento em educação. Entre 2005 e 2009, os gastos por aluno na educação primária e secundária cresceram 149%, segundo a OCDE. No total, os gastos do país com educação representam 5,5% do PIB, quando o recomendado pelo Plano Nacional de Educação é de no mínimo 6,23%.

Na contramão dos dados, uma pesquisa publicada em 24.03.2014, pelo Instituto Data Popular, em parceria com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo traz informações preocupantes. De acordo com a pesquisa “Qualidade e Educação nas escolas estaduais de São Paulo”, 46% dos alunos afirmaram terem sido aprovados sem aprender a disciplina. Já 75% dos estudantes e 94% dos pais são contra a aprovação dos alunos que obtiveram notas insuficientes e abaixo do exigido para avançar de série.

O Brasil é uma Ilha
Confrontando as estatísticas sobre o panorama educacional no Brasil com as experiências pessoais vividas na Ilha de Itaparica, é possível identificar relações entre uma escola na praia do município baiano de Vera Cruz e escolas na maior cidade do Brasil, São Paulo. Os dados de aprovação não refletem a qualidade da educação. Sucesso em índices de alfabetização ou de conclusão dos ensinos fundamentais e médio não significa sucesso na formação dos estudantes.

Nota-se, no entanto, que essa crítica é recorrente em diversos países. A busca para se atingir os Objetivos do Milênio, que propõem que até 2015 todas as crianças tenham concluído o ensino básico mas, sobretudo, o desejo de elevar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que considera o número de matriculados e a não-reprovação, tem feito com que se valorize muito mais as estatísticas, em detrimento da qualidade da educação.

A necessidade do cumprimento de metas tem feito os diversos governos (federal, estaduais e municipais) a forjarem uma realidade, apenas para produzirem números. Entre as Secretarias de Educação e os estudantes, estão as escolas, que se mostram incapazes de superar esse problema. São impotentes para promover tais mudanças, dentro do sistema exigido. E, como se não bastasse, ainda têm o desafio de impedir a evasão escolar e de cumprir o seu papel básico: educar. Os problemas externos, como a pobreza da família dos jovens e o assédio do tráfico de drogas tornam ainda mais complexas as dificuldades enfrentadas pelas escolas, seus diretores, professores e funcionários. O cenário não é muito animador. Nem nas nossas mais belas ilhas!

Fontes:

terça-feira, 15 de abril de 2014

Sociedade civil brasileira se rearticula em torno do FSM

Matéria originalmente publicada pela ABONG.

Créditos: Fora do Eixo


Na última quarta-feira (9 de abril), aconteceu, no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo - SEESP, em São Paulo, seminário de mobilização e articulação das organizações e movimentos sociais brasileiros em torno do processo do Fórum Social Mundial (FSM). O evento reuniu cerca de 40 representantes de organizações e movimentos sociais brasileiros de caráter nacional e/ou que estiveram envolvidos/as em comitês estaduais do FSM e que estão comprometidos com a Carta de Princípios do Fórum. Organizações e movimentos de seis Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pará e Amazonas) estiveram presentes na ocasião.

Resultado de uma decisão tomada em janeiro deste ano durante o Fórum Social Temático de Porto Alegre, em uma roda de diálogo promovida pelos membros brasileiros do Conselho Internacional (CI) do FSM e que reuniu organizações e movimentos sociais de caráter nacional de diversos Estados do país, o seminário teve como objetivo a mobilização e rearticulação da sociedade civil brasileira em torno do processo do FSM. Mais do que nunca, o FSM e o próprio CI estão desafiados a ressignificar-se numa conjuntura mundial que evoluiu muito desde o surgimento do FSM, em 2001, em Porto Alegre. Esse encontro foi uma oportunidade para participar de um processo avaliativo em curso assim como para refletir e incidir sobre as estratégias de articulação e mobilização dos movimentos sociais no país no processo do Fórum.

Juntamente com Ciranda Brasil, CUT (Central Única dos Trabalhadores) - Brasil, União Brasileira de Mulheres - UBM e União Nacional dos Estudantes - UNE, a Abong compôs a comissão organizadora do evento. Participaram ainda entidades dos movimentos negro, feminista, sindical, de juventude, da democratização da comunicação, entre outras.

O período da manhã foi dedicado à apresentação das entidades presentes. À tarde foi realizada uma ampla avaliação do processo do FSM desde sua primeira edição, em 2001, e um debate em torno dos caminhos futuros do evento global. A reformulação das posições do FSM, visto como importante compromisso para com a causa de oposição ao modelo neoliberal; a proposição de formatos diferenciados do evento; a proposta de regionalização da modalidade e metodologia das discussões do e sobre o FSM; a possibilidade de  inserir novos movimentos (Indignados, na Espanha e movimento Occupy, por exemplo) no processo de discussão do FSM; e críticas à transparência em relação ao CI do FSM foram alguns dos pontos do debate.

Na ocasião, Damien Hazard, diretor executivo da Abong, apresentou os resultados de duas pesquisas em curso, uma de auto-avaliação do CI, e um estudo realizado junto a uma universidade finlandesa aplicada ao CI para dimensionar fragilidades e potencialidades do FSM. Entre as críticas mencionadas pelos membros estão: distância entre as visões do FSM, as aspirações dos/das ativistas e as práticas do CI; dificuldade de inclusão de novos movimentos; necessidade de mais práticas democráticas dentro do CI e de maior diálogo com os movimentos de base; entre outras. Além disso, há críticas sobre a falta de posicionamento do FSM e do CI enquanto organizações, o que fere a Carta de Princípios do Fórum. “Apesar das críticas, há 40 eventos de desdobramentos do Fórum Social Mundial, como fóruns sociais temáticos, regionais e locais, marcados para acontecer em 2014, além do evento global, em 2015, novamente em Túnis”, lembrou Hazard.

Antônio Martins, do site Outras Palavras, avalia que o Fórum sofreu uma perda de repercussão e função que está relacionada a problemas internos do CI e também à modificação da situação da esquerda histórica que passou a fazer alianças com governos, além da pouca inclusão de outros movimentos no processo do Conselho. “A rearticulação do FSM se dará por uma reformulação com novos elementos de simbologia e com a criação e requalificação de novos debates para que se dê mais importância para as reuniões do Fórum. Por isso é fundamental construir uma articulação nova para a agenda do FSM de 2016 que tem muita importância para dar esse novo fôlego para o evento”, avaliou.

Hazard lembrou que o FSM ganhou um novo fôlego no pós crise de 2008 com as edições que aconteceram no norte da África, principalmente no último, que ocorreu em Túnis, na Tunísia, em 2013. “Essa edição trouxe muito da mobilização da juventude e das mulheres da região. Inúmeras novas questões foram colocadas em pauta como a questão do Saara Ocidental e da democracia na região. Além disso, a articulação dos movimentos sociais dali teve muito impacto na Primavera Árabe que culminou em revoluções como a revolução democrática na Tunísia”, salientou.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Reunião dos Movimentos Sociais brasileiros, dia 09 de Abril em São Paulo

ENCONTRO/ SEMINÁRIO DE MOBILIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO
DAS ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS
EM TORNO DO PROCESSO DOFÓRUM SOCIAL MUNDIAL

09/04/2014 em São Paulo (no SEESP) das 9h às 17h30


Companheiras e companheiros,

Convidamos você(s), representantes de organizações e movimentos sociais brasileiros de caráter nacional e/ou que estiveram envolvidos em comitês estaduais doFórum Social Mundial (FSM), que estão comprometidos com a Carta de Princípios do FSM, a participar de umencontro de mobilização e de (re-)articulação da sociedade civil brasileira em torno do processo do FSM, no dia 9 de abril de 2014 em São Paulo.

A realização desse encontro é o resultado de uma decisão tomada em 23/01/2014, durante o Fórum Social Temático de Porto Alegre, em uma roda de diálogo promovida pelos membros brasileiros do Conselho Internacional (CI) do FSMe que reuniu organizações e movimentos sociais de caráter nacional e de diversos estados do país.

Mais do que nunca, o FSM e o próprio CI estão desafiados a ressignificar-se numa conjuntura mundial que evoluiu muito desde o surgimento do FSM em 2001 em Porto Alegre. Esse encontro será uma oportunidade para participar de um processo avaliativo em curso assim como para refletir e incidir sobre as estratégias de articulação e mobilização dos movimentos sociais no país no processo do FSM.

Reservem esta data em suas agendas, e busquem meios para viabilizar sua participação! 

Onde: SEESP- Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo
Rua Genebra, 25, Bela Vista, São Paulo - SP
Perto do Metrô Anhangabaú ( seguir pela saída em frente ao Anhangabaú e atravessar o terminal pela passarela de pedestres)
Mapa : http://www.seesp.org.br/site/localizacao.html

ABONG, CIRANDA, CUT-BRASIL, UBM, UNE
(Comissão organizadora do encontro)

Contatos:
internacional@abong.org.br
leonardovieiracut@gmail.com

A educação no processo de consulta nacional da sociedade civil brasileira sobre agenda pós-2015

Por Damien Hazard
Co-diretor executivo da ABONG – Associação Brasileira de ONGs


Artigo originalmente publicado no "ICAE Virtual Seminar: Education Post 2015".
Para acessar o artigo com traduzido para o inglês, clique aqui. Para acessar a versão em espanhol, clique aqui.



A educação no processo de consulta nacional da sociedade civil brasileira sobre agenda pós-2015
A ABONG – Associação Brasileira de ONGs entrou no processo de discussão da agenda pós-2015 em 2012, por meio de articulações internacionais da sociedade civil latino-americana e planetária. Em paralelo das diferentes modalidades de consultas realizadas pela ONU, redes globais de organizações e movimentos sociais tais como a campanha internacional Beyond 2015, GCAP – Global Call for Action Against Poverty, FIP – Fórum Internacional de Plataformas Nacionais de ONGs e CIVICUS – World Alliance for Citizen Participation, articularam-se de forma independente nesse debate, e promoveram outras consultas nacionais. No Brasil, a Abong- Associação Brasileira de ONGs conduziu esse processo no primeiro semestre de 2013. O resultado, registrado no relatório “O mundo que queremos pós-2015”, disponível no link http://www.abong.org.br/final/download/pospt.pdf (português) e http://www.abong.org.br/final/download/posen.pdf (inglês), foi lançado em agosto 2013. Apresenta um conjunto de recomendações para o governo brasileiro e para as Nações Unidas. Foi entregue na época para os diversos ministérios do governo brasileiro, inclusive para a Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, representante do Brasil no Painel de Alto Nível da ONU.
Para a realização da consulta, a Abong optou pela implementação de uma estratégia em duas fases sucessivas: a primeira de visibilidade e engajamento, cujo objetivo principal foi divulgar a campanha, já que se tratava de assunto pouco conhecido entre organizações do seu campo de atuação. Nesse primeiro momento, foram definidos os princípios que devem nortear a elaboração dos marcos de desenvolvimento pós-2015, a exemplo de:
COERÊNCIA: recuperar compromissos já assumidos pelo Brasil nos tratados e convenções internacionais relacionados ao desenvolvimento, especialmente com relação àqueles assumidos no âmbito do Ciclo de Conferências da ONU na década de 1990.
EFETIVIDADE: assegurar espaço para participação da sociedade civil na implementação, monitoramentoe avaliação do marco de desenvolvimento pós-2015; garantir compromisso político com o financiamento das metas acordadas; garantir que as metas cheguem às questões estruturais que impedem o desenvolvimento.
REPRESENTATIVIDADE: garantir o protagonismo dos segmentos em situação de vulnerabilidade na formação do marco de desenvolvimento pós-2015; fazer uso da capilaridade das organizações e movimentos de defesa de direitos para garantir pluralidade na participação; fazer uso do trabalho já realizado pelos movimentos e organizações em temas afetos à consulta.
A segunda fase consistiu na realização de oficinas temáticas em três grandes cidades brasileiras, de forma articulada com associadas e organizações e movimentos parceiros. As temáticas das três oficinas foram respectivamente: Infância e Juventude (Brasília); Enfrentamento ao Racismo (Salvador); e HIV/Aids e Equidade de Gênero (Recife). No total, 78 organizações, movimentos e redes participaram dessa consulta.
Esse processo de consulta da sociedade civil brasileira não teve como foco específico as questões de educação, mas diversas recomendações incluíram essas dimensões. Uma leitura seletiva do relatório assim permite destacar algumas dessas propostas e destacar problemáticas essenciais para efetivação do direito à educação, e mais especificamente no que diz respeito aos segmentos dos jovens e dos adultos.
A questão da universalização da educação, obviamente, foi apontada como fundamental: “Os novos Objetivos estratégicos do desenvolvimento devem assegurar o acesso universal à educação de qualidade, laica e gratuita, independentemente do sexo, idade, etnia, religião, status socioeconômico, status de imigração, identidade de gênero, orientação sexual, entre outros.”
O acesso à educação deve considerar os grupos mais vulneráveis, a exemplo das pessoas com deficiência, das mulheres, da população negra... Para garantir esse acesso, políticas afirmativas devem ser implementadas, a exemplo das cotas para negros em universidades, ou ainda para aprendizes em empresas e órgãos públicos. De forma geral, a participação e inclusão desses grupos tradicionalmente excluídos supõe uma mudança cultural dentro das instituições. É o que aponta notadamente a seguinte recomendação: “Criar e implementar mecanismos de combate ao racismo e sexismo institucional, incluindo as estruturas de governo com a efetiva participação do movimento negro e demais grupos historicamente fora dos espaços de poder e decisão”.
A valorização da diversidade humana dentro dos espaços e processos educacionais impõe a implementação de conteúdos e metodologias que possam responder a este objetivo. Nesse sentido, há necessidade de “educação com metodologias que integrem pessoas com deficiência e estimulem o seu aprendizado” e ainda “ que a educação atenda às demandas de diferenças culturais: indígenas, comunidades tradicionais, etc.”. A educação assim deve ser entendida como direito cultural e impõe que sejam criadas e implementadas “políticas culturais de afirmação da diversidade e da diferença como mecanismo de enfrentamento e transformação ao ideário de imaginários excludentes”. Dentre essas políticas, devem ser citadas “políticas públicas de preservação e valorização dos sítios e espaços históricos da cultura negra”.
A educação deve abranger diversos campos, a exemplo da nutrição e alimentação adequada, ou ainda da educação sexual. Nesse sentido, os novos objetivos “devem garantir o acesso à juventude de uma educação sexual amigável e ampla (inclusive em espaços além da educação formal), que os permita desafiar normas de gênero nocivas, prevenir-se do HIV e da violência de gênero, da gravidez precoce e não desejada, planejar suas vidas e tomar decisões informadas sobre sua sexualidade”.
A dimensão do acesso à educação também está intrinsecamente ligada ao acesso ao mundo do trabalho, mais do que ao mercado de trabalho, que se concentra apenas nos seus aspectos mais formais. Nesse sentido, é necessário “fortalecer e fomentar paradigmas de um modelo de desenvolvimento que incorpore as formas solidárias de produção e comercialização praticadas por povos e comunidades tradicionais, tais como, populações negras e indígenas, assim como a agroecologia, a preservação do meio ambiente e a defesa de direitos”.
Educação e gestão dos bens comuns também estão ligados. É o que mostra a recomendação sobre a gestão dos recursos hídricos, que considera “que o papel fundamental das mulheres na gestão dos recursos hídricos da comunidade pode ser um ponto de entrada eficaz para programas de educação sanitária e de higiene, que podem ajudar a reduzir a incidência de doenças”.
Educação, participação, diversidade humana, cultura, mundo do trabalho, alimentação, direitos humanos, democracia... Todas essas questões estão ligadas, indissociáveis... Mas as tendências atuais no processo de construção do novo marco de desenvolvimento deixam dúvidas quanto à capacidade dos governos de delinear objetivos interligados e tão ambiciosos quanto os defendidos pelas organizações da sociedade civil, no Brasil e de forma geral no mundo. Infelizmente, o último documento produzido pelo Grupo de Trabalho Aberto da ONU está tentando reduzir o número de pontos em um conjunto de metas de desenvolvimento sustentável. Este documento concentra-se no crescimento como o único fator de desenvolvimento, em detrimento dos direitos humanos e das desigualdades nos países desenvolvidos.
Nessas condições, a sociedade civil planetária vê-se desafiada, mais do que nunca, a aumentar sua pressão sobre os governos e os organismos internacionais.