segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Carta de organizações da ABONG na Bahia para o Governador do Estado

A Vida Brasil traz ao público o conteúdo da carta elaborada por organizações que compõem a ABONG na Bahia, entregue ao Governador Jaques Wagner durante a reunião realizada no dia 15 de agosto de 2013 (ver mais).

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Carta de organizações da ABONG na Bahia
para o Governador do Estado

As ONGs da ABONG na Bahia vêm, por meio deste documento, apresentar alguns pontos que consideram importantes para a interlocução entre a sociedade civil organizada e os dirigentes do governo baiano. Essas considerações, que surgem no contexto das recentes e importantes manifestações de rua em todo país, partem de uma concepção do diálogo entre governo e sociedade civil no sentido da construção da democracia a partir do desenvolvimento baseado na justiça social e na sustentabilidade ambiental.

Consideramos, em primeiro lugar, que essas manifestações são legítimas, como expressão do exercício da cidadania por parte do povo brasileiro e principalmente da juventude – envolvendo também pessoas de diversos segmentos e classes sociais – e contribuem para o aprofundamento da democracia no país e no nosso estado. As pautas tratam de questões de fundamental importância para a sociedade: os investimentos decorrentes dos megaeventos, a corrupção, as políticas de transporte e de mobilidade urbana, de saúde, de educação...

Muitas pessoas relacionadas com os movimentos sociais e organizações não governamentais estiveram envolvidas nessas manifestações. A nosso ver, os acontecimentos também traduzem o desconforto da sociedade civil organizada em relação a três principais campos de questões sociopolíticas:
Ø  A democratização das relações Estado / sociedade
Ø  As políticas de desenvolvimento
Ø  O financiamento das políticas sociais


Democratização das relações Estado / sociedade
Consideramos importante reafirmar os princípios que devem orientar cada vez mais as relações do governo com a sociedade:
·         a transparência na gestão dos recursos públicos,
·         a garantia do acesso público à informação,
·         a garantia do permanente diálogo através da constituição de espaços efetivos de participação,
·         o respeito às formas de organização da sociedade civil e à sua autonomia,
·         a não-criminalização dos movimentos sociais.

Reconhecemos os avanços obtidos na promoção da participação social com a criação de diversos novos instrumentos e mecanismos de democracia participativa. Mas, consideramos necessário apontar alguns limites no funcionamento desses:
o   A maior parte dos espaços existentes demonstra uma fraca incidência política. Se os temas e as questões tratadas nas conferências são de grande relevância, grande parte das decisões não é implementada. Nesse sentido, consideramos que a participação social só pode continuar se passar a ter alguma efetividade no processo decisório.
o   Os espaços de participação social privilegiam as discussões sobre o planejamento das políticas públicas e muito menos sobre o monitoramento e a avaliação destas. O próprio processo avaliativo desses espaços é insuficiente.
o   Consideramos que o CODES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – não cumpre o papel que poderia ter na arquitetura da participação no Estado da Bahia, e precisa ser redinamizado.
o   O governo deve incentivar os municípios a garantir a criação de espaços e instrumentos de participação social, a exemplo dos conselhos, assim como os meios efetivos para o funcionamento desses, assegurando recursos para uma estrutura mínima e despesas de funcionamento.

Os espaços de participação social criados não são suficientes para assegurar o diálogo com o governo estadual, que já enfrentou dificuldades nas relações com diversos movimentos e segmentos sociais, a exemplo dos professores da rede estadual... A criminalização dos movimentos sociais não desapareceu, como mostram os atos de repressão policial generalizada contra manifestantes reunidos de forma pacífica em marchas, em Salvador, no mês de junho. Esses fatos revelam que o problema da militarização das polícias permanece.

No que diz respeito às contas públicas, permanecem insuficientes os mecanismos de participação na discussão do orçamento, bem como de monitoramento e controle dos gastos públicos pela sociedade civil, com a implantação de um sistema transparente de informações e a realização de auditorias para os programas e projetos desenvolvidos, incorporando-se assim a prática da avaliação das políticas implementadas, com a garantia da participação da sociedade civil organizada.

Apoiamos uma ampla reforma política que não se reduza apenas à reforma eleitoral, mas possa também fortalecer os espaços e as práticas de participação social e a incidência política da sociedade civil.


Políticas de Desenvolvimento
Partimos da compreensão de que os governos da Bahia das últimas décadas têm pautado sua ação por um modelo de desenvolvimento voltado para o mercado e o grande capital e que este fato tem gerado graves problemas para o Estado: a degradação ambiental, o crescimento da violência, da insegurança e das desigualdades sociais, o desemprego, a fome e o desamparo de milhões de cidadãos e cidadãs na Bahia. Nesse contexto, a maior parte dos movimentos sociais e das organizações aspira a um modelo de "desprivatização" do Estado e à implantação de um novo projeto de sociedade, no qual o desenvolvimento econômico é indissociável de um processo simultâneo de distribuição de renda, garantia e ampliação dos direitos sociais e da cidadania e melhoria da qualidade de vida da população.

Essas políticas de desenvolvimento devem ter como base os seguintes princípios:
·         a sustentabilidade ambiental,
·         a universalidade no desenvolvimento das políticas sociais,
·         a implementação de políticas afirmativas,
·         o respeito aos direitos humanos,
·         a intersetorialidade das políticas públicas (estratégia de articular os múltiplos olhares e saberes de setores e atores diversos para o enfrentamento de problemas complexos),
·         a transversalidade das políticas públicas (para questões comuns a todas as áreas, como questões raciais e de gênero por exemplo, deve-se buscar estratégias que levem em conta a equidade e a justiça social),
·         a valorização e o fortalecimento de experiências da sociedade civil, como indicativos às políticas públicas.
·         a descentralização político-administrativa, sobretudo a municipalização das políticas sociais.

Questionamos: até que ponto o governo contribui para implantação desse novo modelo de desenvolvimento?

Consideramos que a discussão com a sociedade civil sobre o modelo de desenvolvimento é insuficiente. Os movimentos sociais quase sistematicamente são afastados das discussões sobre as grandes obras das políticas de desenvolvimento, a exemplo dos investimentos relacionados com os megaeventos, em relação ao transporte e à mobilidade urbana, ou ainda das políticas de planejamento urbano, implementadas (a exemplo de Salvador) sem diálogo com a sociedade e em total desrespeito com o Estatuto da Cidade. Toda discussão nesse sentido foi substituída por uma judicialização do processo de planejamento urbano. Da mesma forma, os movimentos sociais estão afastados das discussões sobre os megaprojetos, tais como a Ponte Salvador-Itaparica, o Porto Sul, os projetos ligados à matriz energética, à mineração...

Financiamento das políticas sociais

Entendemos que a participação social no ciclo de construção das políticas públicas permite fortalecer o controle social sobre o Estado, mas não pode ser separada da dimensão de financiamento dessas políticas. Não foram suficientes os mecanismos de democracia participativa e direta no ciclo orçamentário (Plano Plurianual - PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária). Assim, a construção de um PPA participativo deveria supor não só uma reflexão sobre as diretrizes gerais do plano, mas também deveria incluir a dimensão das leis orçamentárias. A participação da sociedade civil em fases do orçamento reveste-se de uma importância fundamental: trata-se de poder acompanhar de forma permanente o ciclo orçamentário. Esses instrumentos de controle social devem fazer parte das leis de finanças públicas, com vistas a melhorar a transparência do orçamento estadual.

Considerando que as ações desenvolvidas por parcela significativa da sociedade civil organizada têm o caráter público, sugere-se que o governo assuma um compromisso com esse setor no sentido de empreender esforços para a democratização do acesso aos fundos públicos constitucionais e à busca de novas fontes de financiamento para os mesmos. É preciso garantir critérios transparentes de aplicação dos recursos, forma democrática de seleção de iniciativas a serem apoiadas e estabelecimento de mecanismos de controle social efetivo de tais recursos. Atualmente, o acesso a fundos públicos enquadra-se numa lógica de instrumentalização das organizações e movimentos, contratadas para realização de políticas governamentais, e em condições extremamente restritivas: ausência de apoio institucional, restrições na contratação de pessoal etc. Os editais para seleção de projetos da sociedade civil são inacessíveis para muitas organizações e movimentos, sendo, portanto, necessário democratizar o acesso a eles.


É necessário, sobretudo, adotar e implementar um novo marco regulatório para as organizações da sociedade civil. Espera-se que o governo do Estado da Bahia – conforme indicado durante audiência pública sobre “a importância das ONGs para o desenvolvimento social, econômico e produtivo da Bahia”, realizada na Assembléia Legislativa, no último dia 18 de abril – possa apoiar a proposta do Grupo de Trabalho da Secretaria Geral da Presidência, e defendê-la junto à Presidenta. Espera-se que o Estado da Bahia possa assumir a vanguarda na identificação de experiências de apoio ao fortalecimento da sociedade civil e na implementação de novos instrumentos legais de acesso a fundos públicos, com base em critérios democráticos e transparentes.

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