sexta-feira, 10 de abril de 2015

Olhares sobre o FSM: o olhar da Vida Brasil

Envolvida desde a origem do Fórum Social Mundial, em 2001, em Porto Alegre, a Vida Brasil sempre participou dos encontros que reuniam o movimento social de todo o mundo. Em 2013, a Vida Brasil coordenou junto com a CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras) o projeto baiano que garantiu a participação da delegação no FSM que, tal como em 2015, foi realizado em Túnis, na Tunísia.

Como o processo de construção do Fórum não se resume apenas aos encontros bianuais, a Vida Brasil vem participando continuamente das atividades relacionadas, como os Fóruns temáticos, além de seminários locais que seguem a agenda internacional. O envolvimento da Vida Brasil com o Fórum Social Mundial ocorre desde 2000, antes mesmo da primeira edição do evento, que foi realizado em Porto Alegre, em 2001. Em todas as outras edições, a Vida Brasil também participou ativamente na mobilização e articulação dos movimentos sociais no Brasil e no exterior.

Damien Hazard coordenando a mesa "Democracias"


Em 2004, a Vida Brasil fez a coordenação política do Fórum Social Baiano e em 2007 participou da coordenação executiva do Fórum Social Nordestino. O envolvimento com a organização e construção do FSM, fez com que a Vida Brasil fosse uma das pioneiras a pautar a acessibilidade do evento e o estímulo à inclusão de pessoas com deficiência dentro do Fórum. Resultado disso, foi que em 2015 o FSM contou pela primeira vez com uma Comissão de Inclusão, destinada a pensar as questões de acessibilidade durante o encontro.

Em 2015, a Vida Brasil participou mais uma vez do Fórum Social Mundial, desde a fase de mobilização, até a presença em Túnis. Representaram a Vida Brasil: Damien Hazard (coordenador), Islândia Costa (coordenadora do programa de Acessibilidade), Alex Hercog (assessor de Comunicação) e Alessandra Costa (administrativo). Além de associados e associadas: Ametista Nunes (Grupo Tortura Nunca Mais), Wilson Cruz (COCAS e Abadef) e Maria Helena (Apalba).

Ametista Nunes, recitando o poema "Estatuto do Homem" (Thiago de Mello), abrindo os trabalhos da Casa Brasil no Fórum Social Mundial.


Integrando o Coletivo Baiano/FSM, a Vida Brasil colaborou com a atividade “Água é Vida”, que durante o FSM discutiu o acesso aos recursos e bens naturais.

Já Damien Hazard, que também é membro do Conselho Internacional do Fórum, representando a Abong (Associação Brasileira de ONGs), era um dos coordenadores da Delegação Brasileira. Facilitou a mesa, na Casa Brasil, que debateu Democracias no mundo, além de participar da concepção das atividades que discutiam o enfrentamento ao racismo e Agenda Pós-2015. Damien também participou da coletiva de imprensa de lançamento do FSM, da organização da marcha de abertura e colaborou com a assembléia dos movimentos sociais.

E no último dia do Fórum, a Vida Brasil realizou a atividade Desafios dos movimentos para implementação de políticas inclusivas e de acessibilidade. A roda de diálogo contou com a presença de 25 pessoas, dentre as quais o angolano Memória Ekulica (FORDU), a professora tunisiana Naur Rebai, e pessoas com ou sem deficiência do Brasil e da Tunísia.

Oficina promovida pela Vida Brasil, que discutiu acessibilidade e políticas inclusivas


A atividade propiciou a troca de diversas experiências, a partir de relatos pessoais e institucionais sobre questões ligadas à acessibilidade e garantia de direitos, sobretudo no Brasil e na Tunísia. Uma das participantes, a tunisiana Hend Ajam, se interessou pela atividade, mesmo sem pertencer a nenhuma organização, nem ter atuação no movimento social. Ela, que é cadeirante e hoje cursa o doutorado, se formou em Ciências Contábeis e durante todo o período universitário teve que subir as escadas carregada, muitas vezes ajudada pelo pai (que também participou da oficina), pois a faculdade não dispunha de acessibilidade, nem de salas no térreo. Hend Ajam quis participar da atividade “para conhecer como se passa a vida de outras pessoas com deficiência fora da Tunísia”.

Para Islândia Costa, a participação e depoimento de Hend foi um dos destaques da atividade: “Sei que mudamos algo nela e em nós também”. De acordo com Islândia, são encontros como esse que contribuem para a construção de práticas transformadoras. Para ela, se a passagem da Vida Brasil em Túnis “fizer com que a jovem cadeirante faça reflexões sobre como melhorar a realidade de outras pessoas em condições iguais ou menos favoráveis que a dela” já seria uma grande vitória.

Wilson Cruz, Hend Ajam e Islândia Costa, durante atividade de Acessibilidade


Mas o encontro também foi marcado por contradições. Naur Rebai, que tem deficiência visual e pertence a uma organização tunisiana que trabalha com crianças cegas, se queixou da presença de pessoas ditas “normais” durante a atividade. Para ela, as problemáticas vividas pelas pessoas com deficiência só poderiam ser discutidas com a participação exclusiva de pessoas com deficiência. Essa discordância fez com que ela se retirasse da atividade antes de seu término.

Para Maria Helena, da Apalba (Associação de Pessoas com Albinismo na Bahia), foi justamente a amplitude da discussão que fez a atividade ser interessante. Maria Helena diz que não identificou nenhuma pessoa com albinismo durante o Fórum, o que fez dela a única albina presente. “Já pensou se eu só pudesse discutir albinismo com albinos? Eu iria conversar com as paredes.” – afirma, discordando que pessoas com deficiências só possam falar entre si. Para ela, “o que me fez ser visível durante a discussão foi justamente a presença de pessoas que estavam do meu lado, para apoiar a minha causa, mesmo não sendo albinas”.

Maria Helena (Apalba)


Maria Helena também lembrou que qualquer pessoa pode adquirir uma deficiência, ficando cega ou cadeirante, o que faz com que as discussões ligadas à acessibilidade e conquista de direitos sejam amplas. Segundo ela, “o que falta é o preparo para saber lidar com a diversidade. Se queremos uma sociedade inclusiva para todos, por que vamos excluir?”.

O sociólogo Memória Ekulica também trouxe suas experiências em Angola. Segundo ele, os movimentos sociais do país ainda encontram dificuldade para avançar na conquista de leis que garantam direitos às pessoas com deficiência. De acordo com Memória, apenas os segmentos mais mobilizados e fortalecidos é que conseguem obter algumas vitórias, enquanto os demais ficam à margem do processo.

O pai de Hend Ajam (esq.), Memória Ekulica e Naur Rebai (dir.)


Para Wilson Cruz, da COCAS (Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador) e da Abadef (Associação Baiana dos Deficientes Físicos), essa situação que ocorre em Angola lhe chamou a atenção. Ele destaca a necessidade de se realizar parcerias com os movimentos sociais angolanos, para trocar algumas experiências brasileiras que podem contribuir na luta por direitos ligados à acessibilidade. Como sugestão, Wilson propôs durante a atividade, que os diversos segmentos do movimento angolano de pessoas com deficiência se juntem e elaborem uma carta única para ser apresentada ao poder público, apontando os problemas e indicando soluções.

Além das atividades e composições de mesa, a Vida Brasil também participou como ouvinte de diversas atividades. Alex Hercog, assessor de comunicação, destacou alguns debates importantes que ocorreram durante os cinco dias do evento, como o Fórum Parlamentar Mundial, que trouxe parlamentares progressistas de países como Grécia, Espanha e Argentina, discutindo temáticas convergentes, como o papel das nações mundiais para reconhecer o Estado Palestino; além da mesa que discutiu a dívida pública como instrumento de colonização, sobretudo em países latino-americanos, africanos e em algumas nações européias mais fragilizadas pela crise capitalista recente.

Alex Hercog (Vida Brasil) em um stand de um grupo tunisiano de cinema independente


Alex também destacou a realização do Fórum Mundial de Mídia Livre, que reuniu contribuições internacionais na luta global e nacional pelo direito à comunicação. No entanto, segundo ele, a experiência no Fórum não se resumiu apenas às atividades e mesas de debate, “muitas vezes prejudicadas pela desorganização do evento”, por isso “caminhar pela universidade, de stand em stand, conversando com diversas pessoas, de diversos países e de diversos segmentos de luta, foi uma experiência única”. Para ele, o intercâmbio e a diversidade proporcionados pelo Fórum é uma das maiores virtudes do evento.

Já Alessandra Costa destacou as mesas que discutiam o racismo no Brasil e no mundo, como a realizada na Casa Brasil. Ela cita a fala do estadunidense James Early (Instituto Smithsoniam) que apontou a necessidade do movimento negro do mundo inteiro atuar em convergência. Para Alessandra, a participação no FSM foi enriquecedora – “Foi o meu primeiro Fórum internacional. Pude quebrar alguns paradigmas locais, indo para um encontro de maior abrangência”. Para ela, o Fórum Social Mundial foi provocador: “Voltei cheia de conflitos”.

"O FSM alimenta a chama de esperança por um novo mundo possível"



Para Damien Hazard, o FSM 2015 fortaleceu o papel da Vida Brasil como organização capaz de atuar na articulação com outras entidades internacionais. Para ele, o Fórum também é um espaço de formação que, apesar das dificuldades do encontro “todas as pessoas da Vida Brasil voltaram impactadas pelo Fórum, em sua formação política, cultural e humana”. Para Damien, o FSM “alimenta a chama de esperança por um novo mundo possível”.

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