quarta-feira, 22 de abril de 2015

Olhares sobre o FSM: o olhar do Coletivo Baiano/FSM

Desde setembro de 2014, uma mobilização iniciada pela Vida Brasil e CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras), reuniu diversas organizações do movimento social em torno do projeto para participação no Fórum Social Mundial (FSM) 2015, dando continuidade ao projeto realizado em 2013. A partir de reuniões semanais, na sede da Vida Brasil, foi possível construir as propostas para o projeto, o que resultou na formação do Coletivo Baiano/FSM, composto por mais de 30 entidades. As reuniões sempre foram abertas e divulgadas na página do Coletivo e das organizações integrantes.

Reunião do Coletivo Baiano, em fevereiro de 2015


A partir dessa mobilização, o Coletivo realizou algumas atividades pré-FSM, como o Seminário Internacional “FSM rumo a Túnis” e a oficina preparatória “Água é vida”. Com o apoio do projeto nacional e estadual, foi possível compor uma delegação que reuniu aproximadamente 40 pessoas, representando diversos segmentos do movimento social da Bahia. Para Gilberto Leal, coordenador da CONEN, foi “bastante satisfatório poder construir um trabalho político em conjunto”. Já Damien Hazard, coordenador da Vida Brasil, destacou que a mobilização do Coletivo foi “um exemplo de Economia Solidária e uma lição de horizontalidade no processo de construção coletiva, transparente e democrática”.

Em Túnis, na Tunísia, local onde se realizou o Fórum Social Mundial, o Coletivo e as entidades baianas participantes promoveram diversas atividades e participaram de variadas mesas e assembléias. Além disso, o grupo Aspiral do Reggae, integrante do Coletivo Baiano/FSM, coloriu as ruas de Túnis, apresentando o reggae baiano. Kamaphew Tawa (compositor e cantor do Aspiral do Reggae) e o grupo de rap Nova Saga fizeram um show marcante, que encantou o público tunisiano. Para Jussara Santana, produtora da banda e representante da Associação Cultural Aspiral do Reggae, o FSM também serviu para promover esse intercâmbio cultural que “fez o público de todo o mundo vibrar com essas músicas tão revolucionárias.” Jussara ainda destacou uma citação de Kamaphew Tawa: “Fora Babilônia, eu tenho filosofia”! 

Kamaphew Tawa (centro) e grupo Aspiral do Reggae interagindo com o público tunisiano, após apresentação musical


E para apresentar um pouco dos diferentes olhares do Coletivo Baiano/FSM sobre o Fórum Social Mundial, compartilhamos a avaliação de alguns integrantes:

Cristiano Lima (Grupo Afoxé Bamboxê, filiado à CONEN)

Cristiano Lima (camisa vermelha, ao fundo): "Volto do FSM com a mala cheia de esperança na luta social"

O FSM é um espaço, sem sobra de dúvidas, de articulação do movimento social. Senti falta de grandes nomes da esquerda internacional, da Venezuela, de Cuba, aliás nem vimos cubanos nesse Fórum. Acredito que a esquerda mundial precisa avaliar o peso menor que está dando ao FSM, não podemos deixar que o Fórum se torne um espaço  de articulação  das ONGs. É preciso que as organizações de esquerda, como partidos e governos, voltem a participar com peso.

Duas coisas me chamaram  muito a atenção: a luta da juventude negra norte-americana contra as ações da polícia em matá-la. Não  imaginava que em um país que teve Panteras Negras e Malcolm X, os racistas não ousariam fazer isso, mas a realidade é que essa juventude ainda luta como a nossa, pela vida. A outra coisa foi a luta do povo Saharaui, principalmente das mulheres que lutam por liberdade e contra o domínio de Marrocos. 

As atividades que mais me chamaram atenção, sem dúvidas, foi a da juventude negra norte-americana - "mãos ao alto, não quero morrer!".

A sensação é de como sou pequeno,  apesar do FSM na Tunísia não ter sido o maior, estar fora do seu país é  algo muito bom,  inexplicável.  Queria ainda reafirmar que acredito no FSM como a grande articulação  da esquerda mundial e movimentos sociais contra o capitalismo e a favor de um mundo mais igual. 

Jussara Santana (Associação Cultural Aspiral do Reggae)
Jussara Santana (centro): "Podemos ir muito mais além"

Acreditamos que podemos pensar em um mundo melhor, depende de cada um de nós, pois foi possível ver o mundo emanado pra buscar soluções. A contribuição é de que nós somos responsáveis para fazer um mundo melhor.

As atividades que ocorreram no Fórum, que eu destaco, foram sobre Pan-africanismo, atividades das mulheres e a cultural, porque vivo e milito nessas áreas,

Esse é o quarto Fórum que participo e sempre o que mais me chama atenção é o povo do mundo inteiro num só pensamento e passando experiência para buscar um mundo melhor.


Marcia Cristina Pinheiro (Comunidade Tradicional e Pescadora)
Márcia (centro): "O importante é estarmos ligados no mesmo pensamento e espírito de mudanças e justiças"

O FSM me propiciou novos conhecimentos a respeito de outros povos e situações, a diversidade cultural em um evento e o pensamento de mudança global pelo mundo melhor e mais justo. Além da solidariedade entre o grupo do Coletivo Baiano. Entretanto, houve uma desorganização, principalmente na estrutura do campus da universidade onde acontecia as oficinas e outras atividades, falta de um planejamento ajustável para um evento de tamanho porte. Os voluntários tinham boa vontade de ajudar, mas não possuíam os conhecimentos necessários para solucionar as necessidades dos participantes do FSM.

Mesmo sendo o Fórum em um país cheio de conflitos e riscos, como a Tunísia, a paz e harmonia foi sentido como uma atmosfera diferencial para os que participaram do Fórum. As diversidades dos grupos, cada um com suas crenças, seus costumes, cultura, respeitando e convivendo, sabendo que há espaço e voz para todos.

Uma atividade que destaco foi a oficina "Água é Vida", do Coletivo Baiano. Houve a participação de pessoas da Indonésia, Argélia e Tunísia agregando conhecimentos sobre o tema e fornecendo informações de como funciona o gerenciamento e distribuição dos recurso hídricos em seus países. Destaco, também, a oficina de Acessibilidade, porque tive oportunidade de saber mais sobre as limitações, desejos e necessidades das pessoas especiais, o qual o assunto vem me despertando atenção para aprender e contribuir. 

João Pereira (CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores)
João Pereira: "Foi uma experiência muito importante, porque permite a troca de informações e a criação de laços de solidariedade internacional"

O Fórum contribuiu para o fortalecimento do Movimento Social na região do Magreb, diante do poder político institucional conservador. No entanto, pouco avançamos a cerca dos principais problemas mundiais com os quais os movimentos sociais atuam.
Destaco as trocas de experiências em relação à luta por políticas públicas por habitação de interesse social. Ainda que não exista exemplo governamental de países com política habitacional nesta área existem políticas pontuais na África e na América Latina que podem colaborar com as discussões e estratégias de nossa entidade.

Já a participação do Coletivo/FSM foi atuante e solidária. Participou das atividades de suas organizações e colaborou com as atividades de companheiros de outros segmentos e entidades. Como foi o meu caso que contei com companheiros do Coletivo Baiano na oficina promovida pela Conam. Além de intensa participação nas atividades da Casa Brasil.

E a atividade que mais me agradou foi a Assembléia Mundial dos Habitantes que reuniu os militantes das Associações de Moradia de 4 continentes, saindo com uma agenda comum para a atuação deste segmento no ano de 2015.

Eduardo Zanatta (Centro Público de Economia Solidária)
Eduardo Zanatta: "Temos a missão de multiplicar o que aprendemos"

Um evento desses sempre é positivo, mas também acaba por apresentar seus problemas. Reunir tantas pessoas, de tantos países, com tantas ideias e conhecimento a transmitir é uma coisa fantástica. A cultura local também é um fator importante, apesar do momento político que vive o mundo árabe. O Fórum Social Mundial tem um legado e ainda tem uma missão a cumprir. Agora, como falei, o momento político e de insegurança deu uma esvaziada no evento. É compreensível que algumas pessoas tivessem receio em ir para um país tão próximo de áreas de conflito e ainda mais depois do atentando do Museu do Bardo. Agora, na programação brasileira houve alguns cancelamentos, notadamente de ministros de estado que demonstrou um certo desinteresse do Governo. Sobre a logística geral, a própria organização reconheceu falhas, notadamente na tradução e na segurança, conforme foi notificado pela própria organização.

O FSM é a culminância de todo o trabalho que as organizações e movimentos sociais desenvolvem ao longo do tempo. Este resumo é resultado de esforço contínuo e é apresentado para que se façam reflexões e mesmo para que adotemos modelos eficazes de solução para problemas ou mesmo melhoria de métodos utilizados em nosso cotidiano. Então, a reflexão sobre toda aquela informação que nos foi disponibilizada servirá para mudar ou melhorar minha compreensão do mundo e aplicar na minha atividade laboral de forma consciente. Também pretendo disseminar estas ideias e informações para suscitar o debate e sensibilizar meus pares para os temas relevantes do FSM.

Existem várias ansiedades no ar. No mundo árabe, na crise do capitalismo, no crescimento da direita... Veja, você anda na cidade de Tunis e vários prédios públicos e embaixadas estão cercados de blindados e arame. Isto denota uma preocupação real. Mas também tem a crise do capitalismo que enfraquece as organizações sociais. Um exemplo é que as organizações no Brasil estão sofrendo com a falta de repasse de recursos públicos para a manutenção de seus projetos. E tem também a crise política das esquerdas, notadamente na América Latina, que sofre com o fantasma da direita. Os ânimos estão um tanto estressados com o momento e o FSM foi um termômetro disso.  

Além dos temas de economia solidária, participei de outras relacionadas às mudanças climáticas que muito me interessaram, pois tenho formação como gestor ambiental. Também gostei da reunião de avaliação em que estavam o Eduardo Suplicy, Olívio Dutra e Ivana Bentes. A nossa oficina "Água é Vida!" cumpriu bem sua missão, apesar que a maioria das pessoas eram do nosso coletivo, tivemos algumas presenças interessantes. A Casa Brasil foi um espaço de aglutinação de pessoas, notadamente de brasileiros, e considero que os debates ali realizados foram dos mais importantes do FSM.

Considero que o Coletivo Baiano tem a missão e compromisso de continuar trabalhando para o FSM. Temos que avaliar coletivamente o evento e seus resultados e começar a trabalhar para as próximas edições. Temos que discutir o evento nas nossas organizações e movimentos sociais, discutir no âmbito do coletivo baiano e levar nossa questões para as instâncias estaduais e nacionais, tais como o coletivo brasileiro ou outras instituições envolvidas neste processo. O FSM não é só um momento de reflexão, mas um processo de desenvolvimento coletivo. Temos que nos preparar mais e melhor para as próximas edições.  

Alex Hercog (Vida Brasil)
Alex Hercog (esq.): "Carrego a certeza de que, assim como eu, muitas outras pessoas, do mundo inteiro, também estão dispostas a se dedicar a essa construção de um mundo mais justo, que é utópica, infinita, mas que dá sentido às nossas vidas"


Infelizmente o Fórum apresentou muitos problemas de organização, sobretudo à precária sinalização das salas, falhas na confirmação das atividades, e ausência de intérpretes durante as mesas. O predomínio dos idiomas árabe, inglês e francês também foi uma barreira para se informar sobre as atividades que estavam acontecendo, pois nem mesmo os organizadores dispunham de informantes que falassem ao menos espanhol. E, visto que o Brasil compunha a terceira maior delegação, além do histórico indiscutível na realização de outras edições do FSM, a língua portuguesa deveria ter tido uma atenção maior, seja nos materiais produzidos pela organização, seja nos informes e orientações.

No entanto, a desorganização não impediu que o Fórum se configurasse como um espaço único de intercâmbio de conhecimento, opiniões e lutas, além de viabilizar articulações pessoais e institucionais com organizações e pessoas de diversas partes do mundo.

Sobre o FSM, destaco a pluralidade e diversidade de segmentos e pessoas. As diferentes bandeiras, manifestações culturais e modos de enxergar problemáticas que são comuns em países distintos, mas cuja avaliação e busca por soluções seguem percursos variados. Por exemplo, o combate ao racismo nos Estados Unidos e Tunísia, ou a luta por políticas inclusivas e de acessibilidade em Angola e no Brasil. Questões que são similares entre os países, mas que seguem trajetórias de lutas diferenciadas.

A mobilização em torno do FSM feita pelo Coletivo Baiano foi um belo exemplo para todo o país. Fomos o único estado a batalhar um projeto local, o que resultou na composição da segunda maior delegação, dentro da brasileira. Assim, pode-se dizer que a Bahia invadiu a Tunísia, no melhor sentido da palavra. O resultado pode ser visto na diversidade da delegação baiana, que contemplou diversos segmentos, até na ativa participação durante o FSM, com a realização de diversas atividades e com variadas falas que trouxeram questões que são pauta do movimento social baiano.

Janice Vieira (Rede de Alimentação de Economia Solidária da Bahia)
Janice Vieira (esq.): "Precisamos nos emponderar mais"

A partir da experiência no Fórum, destaco a resistência dos militantes, em todo o mundo, em prol de uma vida melhor. Ainda que a gente tenha que conviver com o descaso dos governantes para apoiar a luta dos movimentos sociais em outros países.

Me chamou a atenção, a fragilidade de outros países em pensar um coletivo maior e pensar em ter um movimento, ao contrário do nosso país.

A sensação é de perceber que os nossos problemas não são isolados, só muda o idioma. Precisamos ir mais para o enfrentamento em prol de uma vida melhor.

Flora Lassance Brioschi (FETIM – Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado da Bahia / CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)
Flora Brioschi (esq.): "Até hoje estou 'impactada', motivada e alimentada pela esperança de que um outro mundo é possível"

Minha avaliação é no sentido de reforçar a cada dia a nossa participação ativamente em atividades como o FSM, somos a esquerda, a maioria, precisamos estar cada vez mais mobilizados e buscando dar vazão aos debates que ocorrem em nosso país e no mundo inteiro. O Fórum Social Mundial é a maior articulação da luta a nível global nas últimas décadas, precisamos superar as nossas limitações e aprimorarmos nossas qualidades e buscar convergir sempre. A ofensiva conservadora está na ordem do dia e o FSM é uma valorosa trincheira da luta de ideias e renovação das esperanças. 

O FSM tornou-se um evento de grande magnitude e imprescindível para as forças populares de todo o mundo. Nos reunimos nesse processo conjunto de refletir e de como incidir na construção de agendas comuns de enfrentamento. Não foi à toa que as suas duas últimas edições foram realizadas na Tunísia, acredito que por esse motivo aconteceu no país que é exemplo de resistência e está em curso uma luta por democracia e liberdades desde 2010.

O FSM 2015 aconteceu pela segunda vez em um país que atravessou um processo avançado de democratização. De contribuição, trago um legado positivo e resistente de que o povo precisa estar nas ruas, as ruas são nossa morada é preciso ocupá-las. Tive a oportunidade de dialogar com povos que não perdem por um segundo a capacidade de se indignar com as mazelas que os afetam, é preciso sermos incansáveis e pautar tudo o que esta incorreto. É preciso sairmos da zona de conforto urgente. Não importa em que parte do mundo estejamos, não importa a categoria, o movimento ou instituição, os problemas são sempre os mesmos. É necessária a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, deve haver sempre a garantia e conquista de direitos, é preciso haver oportunidade e liberdade para todos. Não podemos mais continuar sendo escravos de um sistema que depende da desigualdade e domínio de poucos sobre muitos.

Das atividades que participei, destaco:

Visita à UGTT - uma central sindical, no momento em que estava acontecendo uma ocupação que já durava nove dias, onde estavam concentrados 23 homens e mulheres tunisianos e tunisinas, em uma greve de fome, todos com diplomas de graduação e alguns até de mestrado e doutorado, mas sem empregos;

Marcha de abertura - Marcada por superlativos, pluralidades, eu imaginava a grandiosidade, mas confesso, fiquei impressionada com a diversidade de pautas/causas que compreendiam desde a liberdade da Palestina, direitos dos povos, mulheres, jovens e muitos outros até a consolidação da democracia na Tunísia.

Assembleia das Mulheres: Centenas de ativistas de articulações feministas internacionais e de entidades locais de mulheres sul-africanas, brasileiras, peruanas, argentinas, argelinas, italianas, portuguesas e saharauis. Representantes da Tunísia, França, Moçambique, Costa do Marfim, México, Marrocos e Palestina discursaram na Assembleia e defenderam a superação do capitalismo e do patriarcado, além da ampliação da solidariedade internacional entre os povos contra o imperialismo.

"A Resistência Pacífica de Mulheres Saharauis":
Atividade organizada por Mulheres saharauis na delegação do Fórum Social Mundial, em colaboração com a Marcha Mundial das Mulheres, as palestrantes foram Mulheres da União Nacional das Mulheres Saharauis (UNMS) compartilhando e pedindo solidariedade na sua luta pela autodeterminação, intervenções que enfatizem especialmente na resistência pacífica nas cidades saharauis ocupados por Marrocos, onde são expostas a graves violações dos direitos humanos e são vítimas de violência.

Assembleia dos Movimemtos Sociais:
Soberana desde a primeira edição, a Assembleia dos Movimentos Sociais elabora sua própria declaração. Foram vários pontos de discussão, mas os centrais expressaram a continuidade da luta contra as transnacionais e o sistema financeiro, convocando uma jornada de ação internacional contra os tratados de livre comercio.

As reuniões de avaliação do Coletivo Baiano/FSM continuam. A primeira ocorreu no dia 14/04 e a próxima está agendada para o dia 24/04, às 16:30h, na sede da Vida Brasil. O projeto de participação no FSM também prevê a realização de um Seminário de Devolutiva, para repassar à sociedade a experiência e o aprendizado decorrente do Fórum. Além disso, o Coletivo pretende manter a mobilização em torno das pautas do Fórum e das demandas locais, fortalecendo o movimento social baiano e atuando em questões prioritárias para a sociedade.

Acompanhem as atividades do Coletivo Baiano/FSM, curtindo nossa fan page.

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